De 1996 até hoje, a franquia Pokémon lançou mais de uma dezena de jogos, fez-se talvez o anime de maior sucesso da televisão mundial, virou uma dúzia de animações no cinema, desbravou a realidade virtual e até salvou a Nintendo do risco de falência. São mais de 20 anos de histórias que cativaram diferentes gerações. Como todo produto massivo para público de nicho, a pressão por um filme "live-action" sempre esteve lá. E talvez pelo precedente de sucesso da Marvel ao transpor sua narrativa de super-heróis às telonas, Pokémon: Detetive Pikachu, de Rob Letterman, inaugura um novo capítulo na franquia.
Em Pokémon, o pressuposto é sempre o mesmo. Um realidade alternativa - semelhante à nossa -, onde em vez de pets, os humanos possuem animais fantásticos. Dinobulbo de planta, tarturuga que espirra água, salamandra de fogo, rato elétrico. Bulbassauro, Squirtle, Charmander - os três "iniciais" originais do game - e Pikachu, o símbolo máximo da franquia. Ser um treinador é conviver com as infinitas possibilidades que esses seres oferecem. O filme, diga-se, chega com um design de produção preciso, que transforma os seres virtuais em versões "realistas" tão fofas quanto o material original deixa a entender.
O principal desafio de cada novo produto na franquia é equilibrar o saudosismo de quem via o anime durante a infância com os desejos de renovação das gerações que a sucederam. Afinal, são 20 anos de produtos dos mais diversos. Detetive Pikachu é ótimo para os diferentes tipos de fãs. Ele se mantém em amarras lógicas construídas desde os games originais, mas sem cobrar uma fidelidade irrestrita. Afinal, o público do vindouro Pokémon Sword & Shield é bem diferente da diversidade de pessoas que experimentaram o ex-fenômeno Pokémon Go.
A trama do longa live-action retoma personagem central no cânone da franquia: o lendário Pokémon psíquico Mewtwo, criado por humanos que "brincavam de Deus" e dono de um poder imensurável. A decisão, por mais reciclada que seja, traz lá suas surpresas por vir com uma abordagem diferente daquela de Pokémon: O Filme 2000, animação protagonizada por Ash, Misty Brock e o Pikachu mais famoso da TV.
Detetive Pikachu, porém, patina ao tentar propor uma trama de gênero. Quando aposta na comédia e aventura - a abordagem clássica -, tudo funciona. Quando adiciona características de filme de espionagem, o resultado é caótico, confuso, descartável. O bom é que esse fio de trama é só pretexto para se deliciar com as "versões realistas" de pokémon clássicos ou com o senso de humor afiado do detetive Pikachu (interpretado no original por Ryan Reynolds). Na trama, Tim (Justice Smith) precisa ir a Ryme City - cidade onde os "monstrinhos" vivem livremente, ao lado dos humanos - para se despedir do distante pai. Lá, ele descobre o parceiro Pokémon do parente e descobre que consegue entender a fala desse Pikachu. Os dois, então, se unem para destrinchar a investigação que o pai seguia.
A partir daí, o que se segue é uma série de situações absurdas, em que Tim e Pikachu precisam da ajuda de outros Pokémon para avançar. Um Psyduck sempre com enxaqueca, uma rinha contra um Charizard e um interrogatório com um Mr. Mime - facilmente a melhor parte do filme - dão estofo a um mundo que parece o nosso. Mas é bem melhor.
Ainda que seja irregular, absurdo e cheio de pontos que pouco funcionam, Detetive Pikachu tem sentimento. Dá vontade de entrar naquele mundo. E isso, no fim das contas, sempre foi parte integral do cinema de fantasia. E parte essencial da franquia Pokémon.
Detetive Pikachu não é consistente ao ponto de soar como um novo Universo Cinematográfico Marvel. Consegue, porém, ter regras próprias e uma vivacidade surpreendente. São pontos suficientes para, ao contrário de virtualmente todas as adaptações de animes para o cinema - com exceção das de Samurai X, que são excelentes -, merecer uma visita e, quem sabe, um dia, uma ampliação.