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Entrevista com o tradutor Caetano W. Galindo
Vida & Arte

Entrevista com o tradutor Caetano W. Galindo

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Tipo Notícia
Caetano W. Galindo, tradutor (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Caetano W. Galindo, tradutor

O POVO - Quero falar primeiro com o leitor de J. D. Salinger. Como foi seu primeiro contato com O apanhador no campo de centeio? Lembra-se da primeira leitura?

Caetano W. Galindo - Fui chegar ao Salinger só perto dos 30 anos, incitado pela minha esposa. Mas, na ocasião, apesar de ter ficado fascinado com os três outros livros, deixei de lado o Apanhador, supondo (hoje vejo que equivocadissimamente) que a "janela" de leitura tinha ficado pra trás antes dos 20. Assim, minha primeira leitura do "Apanhador" foi agora, aos 45, e posso dizer que ela foi transformadora. E que especialmente me fez ver que, mais do que um livro "para adolescentes", trata-se de um grande livro, ponto final.

O POVO - Percebe marcas de Salinger, e notadamente de O apanhador..., nos autores e obras que os sucederam?

Galindo - Ah, muito. E nem só na literatura. O cinema de Wes Anderson, por exemplo, simplesmente não existiria sem Salinger. A literatura do próprio David Foster Wallace, talvez o maior romancista de fins do século XX, deve muito à temática, à abordagem e até um pouco à técnica de Salinger. Agora, "O apanhador", especificamente, praticamente funda um tipo de literatura, e cria essa personagem do adolescente desencaixado. A influência do livro é tremenda.

O POVO - O apanhador... tem uma voz narrativa muito particular, a de Holden Caulfield. Como foi olhar para esse texto e tentar deixar de lado todas as gírias, por exemplo, que marcaram a tradução anterior?

Galindo - A voz do Holden é tudo pra esse livro. E a nossa cruzada foi por tentar criar uma oralidade convincente, como se ele estivesse conversando com uma leitora de hoje. Mas sem, de um lado, fazer com que ele soasse como um adolescente do século XXI (o que seria um óbvio equívoco, Holden hoje teria seus oitenta e tantos anos!) e, de outro, sem que ele parecesse demais uma "caricatura" de um jovem da metade do século xx, que poderia alienar os leitores de hoje. Daí a decisão de usar algumas marcas mais "antigas", mas tentar tornar a voz mais "acessível".

O POVO - Quais foram os principais desafios que encontrou no trabalho? Lembra de algum momento em que embatucou à procura de uma expressão ou "coisa que o valha"?

Galindo - Foram vários. O Holden, por exemplo, se repete muito, e a gente (eu digo "a gente" porque essas decisões são sempre coletivas, e a grande Márcia Copola, a preparadora de originais, por exemplo, teve papel fundamental nessas escolhas) quis tentar manter essas repetições. Pra isso, eu gerei uma lista com mais de sessenta itens que precisavam sempre aparecer iguaizinhos. Alguns são palavras isoladas, como o famoso "fajuto". Mas outras coisas são tematicamente mais importantes. Eu percebi, por exemplo, que ele usava sempre a expressão "to go around" pra descrever os encontros dele com as meninas. As experiências semi-sexuais que ele tinha. E que essa mesma expressão reaparece (não vou dar spoilers) numa cena fundamental do encerramento do livro, agora com o seu sentido literal. Ora, pra mim, isso serviria pra unificar esses momentos todos. E pra acrescentar mais uma camada complicada à tal cena final. Mas, pra manter essa possibilidade na tradução a gente tinha que encontrar uma expressão que mantivesse a possibilidade da leitura original e, ao mesmo tempo, servisse pra falar de encontros entre meninos e meninas. Acabamos optando por "dar umas voltas", mas não sem antes sofrer um bocado!

O POVO - Por que acredita que o livro continua a exercer tanto fascínio?

Galindo - Acho que a chave desse fascínio é pura e simplesmente aquilo que a romancista Elena Ferrante, sem pruridos, chama de "verdade". Isso está em toda a literatura de Salinger, mas talvez seja mais perceptível no apanhador. Você sente que está diante de um ser humano (o escritor) que queria usar outros seres humanos (inventados, as personagens) para investigar questões profundas, que o incomodavam e que nos incomodam. Essa honestidade, essa franqueza geram essa empatia. Identificação mesmo. Você não se sente enganado, encantado. Você se sente empenhado em entender aqueles dilemas daquele sujeitinho. Que é tão diferente e tão parecido com você.

O POVO - Para onde acha que os patos vão quando os lagos congelam?

Galindo - Eles não vão a lugar nenhum. Eles continuam na cabeça e no coração do nosso amigo Holden.

 

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