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Outros pasquins
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Outros pasquins

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Pasquim (Pasquino, em italiano) é o nome da estátua que, em Roma, desde o Renascimento, recebia irreverentes poemas, muitas vezes anônimos: sátiras, caricaturas, invectivas. Ninguém - príncipes, papas, poderosos - era então poupado.

Durante o Romantismo, Il Pasquino foi também o título de uma revista satírica de orientação liberal, que começou a ser publicada em Turim, poucos anos antes da unificação italiana. O espírito, como no século décimo sexto, continuava sendo o de ridicularização do poder. Il Pasquino era implacável com todos: mesmo sendo contra o Antigo Regime, não deixava de criticar também os republicanos, os quais sempre culpavam o governo de todos os males possíveis. "Chove, governo ladrão" foi uma das mais famosas manchetes satíricas. O jornal teve vida longa, até que, em 1930, Mussolini decidiu fechá-lo. Preso na sua retórica autorreferencial, o fascismo detestava - e reprimia - qualquer tipo de questionamento. E os deboches... Dos deboches, nem se fala.

Uma outra revista, a inteligente e inovadora Omnibus, quando criticou o fascismo, nunca o fez para se propor como um periódico antifascista, mas continuou filofascista. Mesmo assim, o seu destino, durante os anos de Mussolini, foi bem parecido com o de Il Pasquino.

Omnibus publicou, em 1939, um artigo do escritor Alberto Savinio sobre a morte do poeta Giacomo Leopardi, falecido pouco mais de um século antes. Leopardi - como todos os clássicos da literatura italiana - era apresentado pelo fascismo como uma glória nacional, um gigante do Espírito, um herói da Cultura.

O artigo de Savinio, todavia, focou provocativamente num detalhe completamente antirretórico. Como se deu a morte de Leopardi? Qual fato nobre e trágico levou a óbito uma tão grande alma? Savinio quis contar aos leitores de Omnibus que o poeta morreu depois de ter se excedido na ingestão de sorvetes, fato que remetia mais ao vaso sanitário do que aos céus da inspiração poética. Inexorável a censura: o jornal nunca mais conseguiu circular.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a vida não foi fácil também para muitas revistas alternativas de esquerda. Foi o que ocorreu na década de setenta, com Il Male, publicação que se tornou famosa imitando graficamente as primeiras páginas dos grandes jornais diários italianos, como o jornal La Repubblica, anunciando o início da Terceira Guerra Mundial, ou que "o Estado extinguiu-se". Não faltaram denúncias na justiça.

Nos anos da operação Mãos Limpas e, depois, nos do primeiro governo Berlusconi, foi Cuore a revista alternativa que obteve mais sucesso, graças também às suas manchetes chamativas e mordazes voltadas a criticar uma classe governamental, a qual os integrantes do jornal consideravam de ínfimo nível. Em 1992, poucos dias antes das eleições na Itália, na primeira página de Cuore, estava escrito: "Candidatos: só falta Le Pétomane", com referência ao flatulista francês Joseph Pujol, famoso internacionalmente como virtuoso na arte de expelir gases intestinais.

Cuore continuou sendo por alguns anos a revista alternativa mais lida pelos italianos. Os leitores de Cuore mostraram simpatia por sua abordagem, que foi interpretada como uma atividade de resistência. Não por acaso a revista tinha como subtítulo: "semanal de resistência humana".

Yuri Brunello é professor da UFC e escritor

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