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A memória e o enigma na obra de Ferrante
Vida & Arte

A memória e o enigma na obra de Ferrante

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Tipo Notícia

Autora da série napolitana, publicada no Brasil pela Biblioteca Azul, a escritora italiana Elena Ferrante é um enigma não apenas em relação a sua identidade, mas também sobre o conceito de autoria: afinal, a tetralogia em torno da amizade de duas mulheres é autoficcional ou inteira fabulação romanesca?

De Ferrante não se conhece rosto nem nome, apenas suas personagens e histórias: a Olga de Dias de abandono, a Leda de A filha perdida, e Lila e Lenu, ambas protagonistas de A amiga genial, o primeiro da sucessão de quatro livros agora adaptados para a TV.

Entre todas as mulheres de Ferrante, todavia, há um traço comum: personagens às voltas com as escolhas que fizeram como mães, esposas e profissionais, tendo de se haver como podem com as consequências de suas decisões. É um resumo empobrecedor, mas que talvez ajude a reconstruir o pano de fundo geral do universo ferrantiano.

E é nele que se insere a memória como tópico sempre pressuposto, mas nunca inteiramente garantido. É essa qualidade memorialística que atravessa as páginas da tetralogia que aproxima Ferrante de autoras como Rachel Cusk, por exemplo, cuja obra mais recente, Esboço, é o percurso de uma mulher que escuta os outros.

Assim são Ferrante e suas vozes femininas: estão nos livros como pessoas a quem se deve ouvir antes de mais nada, mas também para ouvirem-se, num trabalho incessante de rememoração de si e do alheio.

É a Elena Greco que recupera a trajetória da amiga extraviada, de modo a fazê-la presente ainda que a contragosto. É a Leda que revolve os anos de casamento e ao lado das filhas, agora num lugar distante daquele de antes. É a Olga que revira os anos de matrimônio fracassado para ali encontrar um meio de reavivar-se.

Em todas elas a memória exerce influência determinante: é a partir da costura desses fios passados, rompidos, soltos e perdidos que Ferrante alinhava as suas mulheres, ora fazendo-lhes cair uma máscara mal amarrada, ora enredando essas vozes num coro feminino.

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