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Espetáculo Corpos Embarcados une dança, teatro e música
Vida & Arte

Espetáculo Corpos Embarcados une dança, teatro e música

| ESPETÁCULO | Corpos Embarcados, da Cia. Barlavento, une dança, teatro e música para narrar o universo do fandango cearense, executado por pescadores e em vias de extinção
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Espetáculo
Foto: Luiz Alves/ Divulgação Espetáculo "Corpos Embarcados"

"Licença peço-lhes senhores/ Que nessa nau quero entrar/ Sem temor e sem pavor/ Se és por mim, direis quem sou/ Sou ilustre Embaixador/ E venho trazer embaixada/ Quem me mandou foi Rei Senhor". No trecho de Ao Som da Viola (1949), o folclorista Gustavo Barroso faz referências, bem como em outros momentos, a certo folguedo bem específico do nosso Estado. Brincadeira de beira de praia, assim como são os cocos, o fandango cearense - protagonizado por pescadores e, atualmente, em vias de extinção - tornou-se o foco de pesquisa da atriz e dançarina-brincante Circe Macena em decorrência de vários motivos.

"Em 2017, eu estava com muita vontade de criar alguma coisa que não fosse dentro do MiraIra, que era o espaço da minha casa e já confortável pra mim. Tinha saído da graduação e estava querendo ir por outros caminhos, me aventurar, fazer outras coisas, mas ainda relacionado àquilo que eu acredito. Em 2017, tinham dois editais abertos na mesma época: o Laboratório de Criação da Escola Porto Iracema das Artes e o Mestrado em Artes do IFCE. Como o mestrado é profissional, tinha esse lugar onde se poderia ter um trabalho que fosse mais teórico-prático, então eu pensei que poderia fazer alguma coisa que pudesse mandar para esses dois editais", relembra.

Para além da encenação em si, o fandango cearense suscitou outras urgências. "É uma dança que não é mais feita. É uma manifestação tradicional do Ceará e aqui, no caso de Fortaleza, do bairro do Mucuripe. De 2017 para cá, o fandango praticamente virou sinônimo de morte. Você chega lá para os pescadores que estão trabalhando e pergunta: Você conhece alguém que dance fandango? A maioria das respostas que eu recebi nesses anos de pesquisa foi: Ah, minha filha, já morreram tudo... Quem dançou, já morreu! E não é verdade. É tanto que hoje eu consegui encontrar um senhor que dançou e ainda se lembra", afirmou.

Foi dessa forma que, ao longo de seis meses, surgiu Corpos Embarcados e, consequentemente, a Cia. Barlavento. "A companhia surgiu por conta do espetáculo. Como a montagem nasceu no Porto Iracema (sob a tutoria de Maria Eugênia de Almeida, da Cia. Soma), eu montei um projeto e o coloquei no Laboratório de Dança, passei e fiquei durante esse período estudando e montando. Quando saímos com a obra já feita, deu essa vontade de criar esse grupo para poder levá-lo a editais e festivais", justificou ela, que também dirige os ensaios do Grupo MiraIra - Laboratório de Práticas Culturais Tradicionais.

Com direção musical de Alisson Barbosa, Circe Macena e Marina Brito são as intérpretes-criadores de Corpos Embarcados, que ainda se completa com as presenças de Álvaro Renê e Mariana Elâni (atores); Bruno Vasconcelos e Erlyson Ferreira (músicos). Unindo o tradicional ao contemporâneo, a Cia. Barlavento - cujo nome faz alusão ao termo náutico que se refere à direção de onde vem o vento, sendo o lado onde se recebe e colhe esse vento para se deslocar - utiliza a brincadeira, a dramaturgia e as histórias que perpassam o universo do fandango cearense em única apresentação gratuita hoje, 1º, às 19 horas, no Teatro Dragão do Mar (Praia de Iracema).

"O fandango é um grande teatro épico que narra aventuras. Apesar deles estarem cantando e dançando, existe uma preocupação e uma importância que se dá à narrativa. Não dá pra eles errarem a letra porque, se isso acontece, ele erra a história, entende? Perde o rumo da história. O teatro épico do fandango era feito na beira da praia, eles construíam um navio... Então é uma história linda sobre a nossa cidade e que as pessoas não conhecem", reforça Circe. "É um espetáculo que nem é só de dança, nem é só de teatro, porque nas práticas tradicionais isso não se dissocia e é um espetáculo que trabalha a partir de uma brincadeira, a partir de uma manifestação tradicional e, por meio dela, a gente também fala de outras coisas", complementa.

A trilha sonora, executada ao vivo e com arranjos assinados por Alisson Barbosa, Nonato Cordeiro e Carlinhos Crisóstomo (Grupo MiraIra), ganha potência com a poesia de Juvenal Galeno e letras de Gustavo Barroso, além de composições próprias. A crítica social, por sua vez, também ganhou espaço na montagem. "A gente, desde o começo, sempre quis falar sobre essa questão da especulação imobiliária. Se você for no Mucuripe e procurar uma foto de poucos anos atrás, vai ver que tiveram muitas mudanças naquela orla. E só considerando a orla. Então passa pela nossa cabeça: como é que um povo pode brincar e fazer a sua festa, se não tem onde morar?", questiona Circe.

E segue: "É muito difícil manter uma tradição festiva quando não se tem onde viver. Então falar sobre esse povo é falar também sobre suas condições de trabalho, de vida, suas condições sociais, enfim... Eu escutei da boca de um pescador, Seu Chico, ele falando com peito aberto, dizendo que é índio, que Mucuripe é terra de índio. E, assim como estão devastando as terras indígenas, estão também acabando com o lugar da praia, com os peixes... As pessoas estão aterrando a praia a troco de quê? Tudo isso perpassa nosso trabalho porque falar da brincadeira é falar sobre essas questões também. Seria muito mais confortável pra gente ficar só na festa", concluiu.

 

Espetáculo Corpos Embarcados

Quando: hoje, 1º, às 19 horas

Onde: Teatro do Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)

Entrada franca

Defesa da dissertação "Embarcados: Corpos em Criação a Partir da Memória do Fandango do Mucuripe/CE", de Circe Macena

Quando: amanhã, 2, às 18 horas

Onde: Sala do Mestrado em Artes do IFCE (av. 13 de Maio, 2081 - Benfica)

 

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