"O deserto que busquei está dentro de mim", é o que exprime Berta Lúcia antes de começar a contar sobre uma travessia que fez, há dois anos, em busca de compreender as inquietações ruidosas que traz no interior e que transbordam pelo resto do mundo. Atravessando o silêncio do milenar deserto da Namíbia - ou melhor, sendo atravessada por ele - encontrou o caminho para a significação real da existência. O resultado dessa pesquisa etnográfica e descoberta pessoal é o livro Desertos & Travessias: uma imersão no silêncio, que será lançado nesta quinta, 8, às 19 horas, no Armazém da Cultura.
Para Berta, que é psicóloga, a ideia de falar sobre o silêncio despontou em 2015, quando precisou mudar a agitada rotina no consultório e ficar face a face com a quietude após o falecimento do pai. Pouco tempo depois, passou a refletir sobre a realidade que sua profissão diariamente lhe mostrava: uma sociedade cansada, ruidosa e com ritmo adoecedor. Foi assim que passou a encarar o silêncio como um estado de vida. "Comecei a perceber o ato de silenciar em sua totalidade significativa e existencial. Então, para mim, retornar ao silêncio iniciático, esse que trazemos conosco quando chegamos ao mundo, apareceu como uma possibilidade de não nos adoecermos tanto", analisa.
"Filha das travessias e das encruzilhadas", como costuma definir a si mesma, Berta Lúcia viveu os primeiros anos de vida atravessando a vasta extensão da estrada Rio-Bahia, ao lado dos pais que, todos os anos, faziam longas viagens pelo Nordeste. Da janela do carro, adorava observar a paisagem desértica do céu, das nuvens, da vegetação. "Tenho muita atração por lugares ermos e áridos. Por isso, no meu imaginário de silêncio, o deserto como sertão ainda é muito presente em mim", relata.
A paixão pelo deserto imaginado e presenciado a levou para a Namíbia, na região da África Meridional, em 2017. Uma viagem - ou imersão no silêncio, como melhor definiria a autora - que durou 25 dias, durante os quais percorreu a extensão desértica mais antiga do mundo, com 55 milhões de anos e com densidade populacional de dois habitantes por quilômetro quadrado. A viagem, além de atender a uma inquietação pessoal, foi parte da pesquisa de mestrado da autora. Com seu diário de bordo, Berta se tornou ao mesmo tempo objeto e sujeito da pesquisa: relatou sentimentos, afetos e descobertas; descobriu e delineou silêncios interiores e exteriores.
"Esse momento foi muito importante pra mim pessoalmente, porque consegui aquietar ruídos internos e descobri que o deserto que fui buscar na Namíbia na verdade habita em mim. Onde eu estiver, posso procurar e acessar este mesmo silêncio, este deserto interior: Na Namíbia, no Saara, no consultório, em casa…". Para Berta, realizar a travessia foi como atender uma inquietação muito particular. "A principal intenção da pesquisa é mostrar que é preciso trazer esse silêncio de volta, para que a contemporaneidade adoecida consiga dar conta do seu vazio existencial", afirma a escritora.
"Nunca se precisou tanto de silêncio. E o livro Desertos & Travessias é uma forma de resistência a esses ruídos dessa sociedade saturada de excessos", pontua a autora. Marcado para amanhã, 8, às 19 horas, o evento de lançamento do livro contará com uma instalação imersiva composta de fotos e vídeos que tem curadoria do diretor de fotografia Tibico Brasil e cenografia pensada por Rodrigo Costa Lima e André Feitosa.
Empolgada para dar início à pesquisa de doutoramento, Berta deve continuar realizando travessias. Desta vez, pretende percorrer a extensão do Rio São Francisco, em uma canoa, ao longo de 40 dias. Descobrindo caminhos sempre novos, a autora enxerga na viagem um caminho também para dentro de si. Berta diria, como Guimarães Rosa, que "o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia"
Lançamento de Desertos&Travessias
De Berta Lúcia Neves
Quando: Quinta, 8, às 19h
Onde: Armazém da Cultura. Rua Jorge da Rocha, 154, Aldeota
Quanto: R$70
Informações: (85) 32249780