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"O livro é a grande festa"
Vida & Arte

"O livro é a grande festa"

| Entrevista | Principal curadora da Bienal do Livro do Ceará, Ana Miranda fala sobre como o evento se atualiza nesta edição e sobre a escolha do tema As Cidades e os Livros
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 16-03-2014: Ana Miranda, escritora. Entrevista com Ana Miranda, sobre o lançamento de seu livro Semíramis. (Foto: Ethi Arcanjo/O POVO) (Foto: O POVO)
Foto: O POVO FORTALEZA, CE, BRASIL, 16-03-2014: Ana Miranda, escritora. Entrevista com Ana Miranda, sobre o lançamento de seu livro Semíramis. (Foto: Ethi Arcanjo/O POVO)

Ardendo em brasas. Definir a Bienal Internacional do Livro do Ceará em uma palavra não é tarefa árdua: candente. Em sua 13ª edição, o evento ocupa os domínios do Centro de Eventos do Ceará ao longo de dez dias a partir do próximo 16 de agosto — mas se alastra feito fogo por demais territórios, do Sertão de Quixeramobim aos sem fim do pensamento. Adiada no início do ano e com programação ainda em construção, a Bienal do Livro de 2019 movimenta literatos em leitores instigados por uma provocação: as cidades e os livros. Sob a curadoria da escritora Ana Miranda e dos escritores e professores Inês Cardoso e Carlos Vazconcelos, com a coordenação de Goreth Albuquerque, a feira segue como o evento literário mais consolidado do Estado.

O POVO: Como foi o processo curatorial para a escolha do tema "As cidades e os livros"?

Ana Miranda: O tema "As cidades e os livros" foi proposto pelo (secretário da Cultura) Fabiano Piúba. Nós tínhamos outras possibilidades, como fazer uma Bienal sobre literatura e cultura indígena, e acabamos escolhendo cidades e livros porque é um tema universal, é um tema candente, é um tema que tem possibilidades infinitas de programação e que pode discutir uma questão que é de todas as pessoas. Essa questão é muito inclusiva porque a nossa conceituação de cidade não é a metrópole apenas: é a metrópole, a aldeia, as pequenas vilas sertanejas; às vezes, até duas casas isoladas no meio do sertão podem configurar uma cidade. A cidade como o lugar onde vivemos e até uma questão mais profunda, mais preocupante, que é a situação da nossa grande casa — a grande cidade onde vivemos é o nosso planeta. Foi um tema que nos pareceu fantástico! Nós fizemos uma programação toda pensada em cima de escritores que têm obras que discutem a questão da geografia pessoal, da geografia social, da geografia afetiva, todas as geografias.

O POVO: Ainda nesse sentido, como a literatura pode construir cidades — em suas materialidades e imaginações?

Ana: A cidade tem sido reconstruída, tem sido personagem; é um elemento muito importante na literatura desde sempre. A cidade é onde vivem os personagens e onde as situações são sociais e não só íntimas. Nós temos cidades imaginárias como Macondo, de Gabriel García Márquez; cidades invisíveis de Italo Calvino, a cidade é um elemento literário. A literatura, quando vai fazer uma representação universal, precisa ir à pequena aldeia. Uma frase muito conhecida do Tolstói diz 'Se queres ser universal, começa a pintar a tua aldeia'. A aldeia é o detalhe que vai representar o todo.

O POVO: As literaturas indígena, negra, feminina e cearense marcam forte presença na Bienal de 2019. Qual é a importância de demarcar ou divulgar essas literaturas e seus autores?

Ana: É muito importante fazer uma Bienal que seja inclusiva, onde estejam presentes todas as manifestações: literatura indígena, feminina, negra... Então nós fizemos um trabalho de inclusão em diversos espaços — o da juventude, que é dedicado aos jovens e dá muito espaço às periferias da Cidade; a Unilab fez uma programação também voltada para a expressão negra. Mas, na verdade, literatura é literatura e não há adjetivo para literatura; é uma expressão muito profunda, um monumento da humanidade, nela cabe tudo e acabamos dando alguns adjetivos para compreendermos melhor algumas características. Nós fizemos também uma demarcação de espaço de autores cearenses, isso a curadoria considerou muito importante porque a nossa literatura do Ceará está num momento fantástico, um momento de florescimento de autores novos. A cultura do Ceará está se fortalecendo muito em termos nacionais, então é momento de investir pesadamente nessa questão. Todos os autores cearenses são tratados no mesmo nível de autores nacionais e internacionais, então temos casos de autores internacionais muito conhecidos que vão se apresentar junto com cearenses em crescimento.

O POVO: Por que homenagear os livros e não os autores?

Ana: Sempre foi tradicional homenagearem autores e não livros, mas nós consideramos que o grande protagonista desta edição da Bienal deveria ser o livro, a leitura. O livro é um veículo de expressão fabuloso, mágico, histórico, espetacular — a potência, a qualidade, o que significa um livro… Nós temos livros com centenas de anos e tudo que foi posto nessas obras está realmente guardado, então é um depositório da nossa cultura, da nossa alma. O livro é fantástico e vai continuar sendo por muito tempo! Nós tentamos e conseguimos fazer uma guinada nessa tradição de homenagear o escritor, porque os escritores existem porque são autores de obras literárias e o livro não é nada sem o leitor. O livro sem o leitor não passa de papel e tinta, a leitura é o mais importante. Os livros são homenageados e a leitura é a grande personagem.

O POVO: Como foi a escolha das obras homenageadas?

Ana: Foi muito difícil escolher os livros...Ficamos com a ideia de escolher um livro internacional, um nacional e cearense. Escolhemos obras muito marcantes, muito conhecidas, uma lista muito significativa: Terra Sonâmbula (do escritor africano Mia Couto) já indica no título a questão da terra e do lugar; o livro do Raduan Nassar é a terra devastada depois da guerra, o lugar em relação aos conflitos e à violência, Lavoura Arcaica é uma obra-prima universal; e o livro A Casa, da Natércia Campos, é uma obra-prima que temos a felicidade de ter na nossa literatura cearense e que mostra que os lugares que são muito mais perenes que os próprios personagens. Consideramos que esse trio seria perfeito pra simbolizar todos aqueles livros que estão presentes nesse imenso espaço.

O POVO: Em um contexto político de tamanho desmonte cultural, a Bienal do Livro oferece uma vasta programação ao longo de 10 dias. Quais os desafios de manter um evento desse porte?

Ana: A Bienal sempre foi um desafio, um desafio vencido com muito brilho, muito afeto e muito, muito suor. É muito difícil fazer uma Bienal mesmo quando você tem apoio e boas condições para realizá-la, financeiras e de infraestrutura. No momento de dificuldades em que as verbas estão totalmente controladas e são bem menores, o desafio se torna realmente muito maior e as pessoas na Secult e os demais envolvidos estão trabalhando com paixão e fé, lutando para que tudo dê certo — e vai dar certo porque a Bienal já existe, é um fenômeno que foi abraçado pelo Estado. Tem sido uma luta, mas é uma luta que nos ensina que temos que lutar para manter a nossa cultura e as nossas realizações. A Bienal ocupa um lugar no calendário emocional das crianças, dos adultos. O livro é a grande festa, a grande celebração.

O POVO: Qual é a importância sociocultural de levar os autores para fora do espaço físico da Bienal? Quais territórios a Bienal Fora da Bienal deve atravessar?

Ana: A Bienal fora da Bienal é a menina dos olhos. Eu, como escritora, digo isso... Todos os escritores amam fazer a Bienal Fora da Bienal porque são experiências novas, diferentes. Nós estamos acostumados, os escritores, a irmos a uma sala, a um teatro, a um café, ter um palco, microfone, as pessoas sentadas. Isso sempre ocorre assim. A Bienal Fora da Bienal sempre é o imprevisto, sempre é uma relação mais espontânea, mais natural, mais surpreendente. Eu vejo resultados lindos, como por exemplo a presença do Loyola Brandão na Bienal Fora da Bienal (de 2017): (ele) foi para Acopiara e até escreveu uma crônica chamada O mel de Acopiara, porque ganhou mel em Acopiara; e ele escreveu um livro e botou esse título, então é uma experiência muito querida dos escritores e do público também, porque muitas vezes é um público que não tem acesso à Bienal. Eu tive uma experiência assim, fui com Pedro Salgueiro até Santana do Acaraú e nós fomos recebidos com banda de música, eles esperavam ansiosamente os escritores da Bienal, eles se sentiam incluídos na Bienal, e a Bienal é do Estado, é do Ceará, então acho que é uma obrigação da Bienal manter a Bienal Fora da Bienal porque, na verdade, é o mundo dentro da Bienal.

O POVO: O que o público cearense pode esperar desta Bienal? O que se mantém, o que se atualiza?

Ana: Como sempre, as Bienais do Ceará são as mais acolhedoras, mais afetuosas, a gente sente uma atmosfera de muito carinho. E muito animada, tem muita coisa, aqueles repentistas e cordel e as crianças parecendo uns passarinhos saltitando, com aquele papelzinho na mão que vale R$ 1 para comprar livro e elas vão todas felizes pra isso. São acontecimentos lindos, acontecimentos puros, de beleza, de felicidade. É uma coisa bonita. É uma festa que não é só uma festa, é um evento cultural de muita profundidade, muita importância, que põe o Ceará num circuito de inteligência nacional e internacional. Eu sei que os escritores têm muito carinho quando são convidados, eles demonstram um 'ah, que delícia ir pro Ceará!'— O Ceará é um lugar visto com olhos de encantamento, então tem tudo isso em torno da Bienal. As pessoas podem ter um encontro verdadeiro com o livro, com as caminhadas entre os livros, e vai ter muita coisa mantida e muita coisa que vai ser novidade, então nós esperamos que todos se surpreendam e se encantem com a Bienal. Estamos fazendo o nosso melhor pra que todas as pessoas se sintam gratificadas com essa Bienal e agradecemos a todos que se esforçam pra realização desse evento em torno do livro, que é tão esquecido no Brasil.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-04-2016: Inês Cardoso, Professora de Língua e Literatura Espanhola da Universidade Federal do Ceará (UFC), fala ao microfone. Debate sobre as obras literárias dos escritores, William Shakespeare e Miguel de Cervantes, realizado no Espaço O POVO de Cultura & Arte. (Foto: Camila de Almeida /O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-04-2016: Inês Cardoso, Professora de Língua e Literatura Espanhola da Universidade Federal do Ceará (UFC), fala ao microfone. Debate sobre as obras literárias dos escritores, William Shakespeare e Miguel de Cervantes, realizado no Espaço O POVO de Cultura & Arte. (Foto: Camila de Almeida /O POVO)

Curadores

Inês Cardoso

Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, é professora do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará

Carlos Vazconcelos

Escritor e professor universitário, mediou projetos literários como Bazar das Letras e Autores em Contexto, além dos seminários anuais Revelando a Literatura Cearense

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