Logo O POVO+
Uma voz ao longe
Vida & Arte

Uma voz ao longe

| Música | Virgínia Rodrigues reúne compositoras de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Brasil no novo álbum Cada Voz é Uma Mulher
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Virgínia Rodrigues lança o disco Cada Voz é Uma Mulher (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Virgínia Rodrigues lança o disco Cada Voz é Uma Mulher

De onde vem a voz? Da garganta? De Deus? De alguma outra entidade além da compreensão? Fato é que nem sempre a combinação de oxigênio, músculos, cordas vocais é suficiente para justificar o som que se transforma em canto. Virgínia Rodrigues é um desses casos. Sua história já foi contada inúmeras vezes. Ex-manicure, filha de empregada doméstica, foi descoberta por Caetano Veloso durante um ensaio da peça Bye Bye Pelô, do Bando de Teatro Olodum. Encantado, o compositor pegou aquela voz pra si, deu um banho de loja e formatou para os mais importantes palcos do mundo.

Depois de três discos dirigidos por Caetano, a baiana de Salvador seguiu seu caminho próprio que agora, aos 22 anos de carreira, ganha um novo capítulo. Toda Voz é uma Mulher é o sexto trabalho de Virgínia Rodrigues e o segundo produzido pelo cantor, compositor, pesquisador da cultura africana Tiganá Santana.

O valor da parceria de Virgínia e Tiganá foi bem representado em Mama Kalunga (2015). Mais ainda no dueto em Sou Eu, peça do gigantesco maestro Moacir Santos com letra de Nei Lopes em que eles se irmanam na sutileza, na intimidade e no amor em seu sentido mais amplo. Quatro anos depois de um repertório primoroso voltado apenas para compositores negros, Cada Voz é Uma mulher reúne narrativas femininas vindas de cinco países: Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Brasil. Na verdade, esse era um projeto que Tiganá Santana planejava gravar. Quando a colega o pediu ajuda em um novo projeto, ele passou para ela como um presente.

Acaba que Cada Voz é Uma Mulher dá continuidade a Mama Kalunga numa perspectiva política de valorizar uma parcela de compositores que fica à margem. "Eu tive muita dificuldade porque não conhecia muitas compositoras mulheres. Não conhecia a Luedji Luna, a Aline Frazão não sabia que era compositora, Lenna Bahule também não conhecia. A compositora com quem eu tinha mais intimidade era a Ivone Lara, que eu adoro", admite Virgínia, acrescentando que começou mirando apenas jovens compositoras, proposta que acabou se ampliando.

Sonoramente, o disco segue a linha estética traçada pela baiana desde a estreia. Se há um clima erudito que banha de luxo a interpretação das nove faixas, há também uma brejeirice popular que já se mostra na faixa de abertura, Sumaúma, da angolana Aline Frazão. E mais ainda em Vedete da Favela, da escritora e poetisa mineira Carolina Maria de Jesus (1914-1977). E há também a voz abençoada de Virgínia Rodrigues, com os agudos que remetem às grandes divas do gospel. Diva por si só, ela sabe dar relevância a cada sílaba, entregando cada nota em sua melhor forma. Asas, de Luedji Luna, é uma boa mostra disso ("Pra que te quero asas se tenho ventania dentro").

E se é pra ter um destaque em Cada Voz é Uma Mulher, seria Ter Peito e Espaço (Sara Tavares/ João Pires/ Edu Mundo). Virgínia se cerca de clarinetes e clarone (tocados com a mesma suavidade por Joana Queiroz) para explicar como nascem as canções ("É preciso abrir a oração, do juízo haver libertação, por fogo na casa, deixar arder, tirar a roupa e deixar ver"). Essa música representa muito do que a cantora queria com esse repertório: "Parte do que eu quis falar foi homenagear as mulheres, falar de amor, de poesias e de leveza", explica quando nem tudo parece leve. "Quando a gente pensa que o negócio melhora, só piora. Eu juro que acreditei que estava melhorando. Mas o povo nordestino é seu próprio algoz. Ele permite que lhe maltratem com certas atitudes. Eu, sinceramente, estou muito preocupada. Claro que também não estou com medo. Eu entrego a Deus e aos orixás, e sei que nosso povo está protegido por eles. Meu disco dialoga com a liberdade. É uma mensagem pro povo da minha raça. Espero que as mulheres se sintam homenageadas porque o disco foi feito para elas. É um disco de canção, de poesia, pra que a gente fique mais leve".

Capa do disco Cada Voz é Uma Mulher, de Virgínia Rodrigues
Capa do disco Cada Voz é Uma Mulher, de Virgínia Rodrigues

Virgínia Rodrigues - Cada Voz é Uma Mulher

Participações de Mayra Andrade e Lenna Bahule

9 faixas

Natura Musical

Preço médio: R$ 29

 

Disco Sol Negro, de Virgínia Rodrigues
Disco Sol Negro, de Virgínia Rodrigues

Discografia comentada

Sol Negro (1997)

A estreia rendeu boas críticas nos EUA e na Europa. Teve participação de Djavan, Gilberto Gil e Milton Nascimento.

Nós (2000)

Com direção artística de Caetano Veloso, o disco traz uma seleção de canções feitas para blocos afros baianos, como Olodum.

Mares Profundos (2004)

Homenageia os afrossambas de Vinicius e Baden Powell. Labareda, com Caetano, é o destaque.

Recomeço (2008)

Seleção de canções brasileiras acompanhadas apenas pelo piano de Cristovão Bastos.

Mama Kalunga (2015)

Apenas compositores negros. Destaque para Nos Horizontes do Mundo e Sou Eu.

 

O que você achou desse conteúdo?