Logo O POVO+
O que traz o deslocamento
Vida & Arte

O que traz o deslocamento

| Bienal Fora da Bienal | Programação realizada fora do Centro de Eventos ganha força como expressão de espontaneidade no encontro entre a literatura e a vida
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Na Bienal Fora da Bienal, no dia 19, o autor cearense Tino Freitas foi recepcionado pelo Instituto Três Mares e com a participação de crianças e adolescentes no Titanzinho (Foto: Beto Skeff / divulgação)
Foto: Beto Skeff / divulgação Na Bienal Fora da Bienal, no dia 19, o autor cearense Tino Freitas foi recepcionado pelo Instituto Três Mares e com a participação de crianças e adolescentes no Titanzinho

"É um presente". Assim foi definida a Bienal Fora da Bienal, eixo programático da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, pelo coordenador Júlio Lira em conversa com O POVO no último dia 20, terça, quando acompanhamos um encontro de poetas de gerações distintas tendo o Titanzinho como cenário e personagem dessa história. Realizada desde 2004 no maior evento literário do Estado, a Bienal Fora da Bienal amplia o alcance e as possibilidades das programações da Bienal ao descentralizá-las por diferentes localidades, da Capital ao interior.

Tal presente, ressalte-se, é mutável, múltiplo. Pode ser diferente para cada envolvido, dos autores convidados aos curiosos que acompanham as atividades, passando pelos anfitriões de tais encontros e, porque não, a própria literatura e o próprio Ceará. O paredão do Titanzinho acolheu os poetas radicados em Brasília Chico Alvim e Nicolas Behr - reconhecidos dentro da geração da poesia marginal dos anos 1970 e 1980 - e os cearenses Diego Vinhas e Pedro Rocha - este último apresentando-se como "surfista e poeta local, nascido e criado no Titanzinho". Os convidados de fora haviam participado, no dia anterior, de mesa sobre Brasília no Centro de Eventos.

À conversa, foram adicionados causos, vozes e olhares que só a rua pode proporcionar: um guardador de carros que convidou Chico, do alto seus 81 anos, para pegar umas ondas; a alegria de "ver a mocinha passar com a prancha de surfe", como atentou o poeta; e até a presença surpreendente de um fã declarado da obra dele. Ao ter a palavra, o jovem, trajando o uniforme de um posto de gasolina, dividiu a surpresa de ver uma referência daquelas tão de perto: "Saí agora do trabalho e vim ver as ondas. Não sabia que a Bienal tava aqui no Titanzinho". Depois de revelar que já morou no Serviluz, ali perto, ainda afirmou que era admirador não só da carreira poética de Chico, mas também da diplomática, desejando ser também, um dia, diplomata.

A Bienal Fora da Bienal é isso. Uma reescrita dos cânones do evento literário, uma quebra da liturgia, uma porta escancarada para o espontâneo e o possível, um encontro de vida. Ressalte-se uma ideia que Diego, ele mesmo cearense, dividiu: "Há o lugar do deslocamento, mesmo pra quem é daqui. Existem muitas cidades em uma como Fortaleza", apontou. O convite é o de movimento. Nesta edição, norteada pelo tema "Ó de casa! Conversa sobre hospitalidade e resistência", foram proporcionados encontros como o do autor Ailton Krenak, indígena de Minas Gerais, com a tribo Jenipapo-Kanindé em Aquiraz; do poeta marginal cearense Jardson Remido com adolescentes em situação de privação de liberdade na Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo; dos autores Maria Valéria Rezende, Ronaldo Correia de Brito e Oswald Barroso com o público na Casa do Estudante para falar de perseguidos políticos; da autora Kah Dantas com as internas do Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, também em Aquiraz… Somam-se ainda inúmeros outros, potentes como estes.

De volta ao Titanzinho, Nicolas Behr fez uma confissão: "Nossa mesa lá (no Centro de Eventos) foi legal, mas aqui foi muito mais impactante". O poeta, ao ouvir de Pedro que o jovem não havia pensado ainda em escrever livros, o estimulou a apostar nisso. "Tira umas cópias dos poemas e sai por aí, vendendo pelo valor que tiverem. Vendi muito livrinho assim, em 1977, ainda garoto, no início da carreira", contou. Mais cedo, havia se declarado: "Mais orgânico, natural e espontâneo que o Titanzinho não existe". E ainda: "nossa grande aquisição da Bienal foi o Pedro".

Pedro, "surfista e poeta", em dada hora arriscou-se a definir o que fazia a hospitalidade do Titanzinho. "Diz que o nordestino é hospitaleiro. Acho que o que ajuda o Titan, a minha favela, a ser hospitaleiro é a praia", refletiu, convidando: "Olhem um pouquinho pra trás". Assim fez com que todos os olhares se voltassem para o mar. Num exercício de diálogo agora fictício, uma réplica possível para o convite de Pedro surge em Carnaval, poema do próprio Chico - para quem "a verdadeira voz da vida" falava pela voz do rapaz. "Sol / Esta água é um deserto / O mundo, uma fantasia / O mar, de olhos abertos / engolindo-se azul / Qual o real da poesia?".

Bienal Fora da Bienal

Conceição Evaristo com professores e alunos do Jangurussu

Quando: hoje, às 9 horas

Onde: E.E.F.M. Professor Aloysio Barros Leal (rua Dez - Barroso)

Mariana Fujisawa com crianças e adolescentes da Sabiaguaba

Quando: hoje, às 14h30min

Onde: Casa Camboa (Rua Professor Valdevino, 80 - Sabiaguaba)

 

O que você achou desse conteúdo?