Uma das queixas mais comuns entre escritores, intelectuais e editores é a de que o espaço destinado à crítica literária nos jornais diminuiu de forma expressiva. A tendência é global. Seja na Argentina, nos Estados Unidos ou na França, nos jornais diários de ampla circulação, os longos artigos destinados a aprofundadas considerações acerca de questões literárias são muito menos frequentes do que eram trinta ou quarenta anos atrás. Contudo, os portais dos próprios jornais diários, assim como redes sociais, blogs etc., mostram uma inusitada vitalidade, pelo menos em termos quantitativos, da literatura. Nesse caso, a queixa é oposta: uma superexposição do discurso sobre a produção literária.
O fato é que vivemos tempos anômalos, mudanças rápidas e imprevisíveis. A literatura não é mais a mesma. Quando lemos uma grande escritora contemporânea, como Jennifer Egan, o impacto é forte, justamente porque uma obra como A visita cruel do tempo - publicada no Brasil em 2010, pela editora Intrínseca -, cujo capítulo 12 consiste em um longo PowerPoint, obriga-nos a nos perguntarmos: mas isso é literatura?
Se a literatura é uma categoria em contínua transformação, a crítica literária também precisa ser repensada, assim como - em âmbito acadêmico - a "teoria da literatura". Do texto à obra, que acaba de ser lançado pela Appris Editora, o último livro de Fabio Akcelrud Durão, professor da Unicamp, propõe uma reflexão acerca dessas questões. Com a presença do autor, discutiu-se sobre o volume no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará, no colóquio "Do texto à obra", que registrou a participação de alunos e docentes e contou com mesas-redondas envolvendo professores da instituição e de outras universidades brasileiras.
Do texto à obra não é somente um livro teórico, mas aborda questões culturais cruciais para os nos nossos dias, como a problemática da superexposição da literatura, que ele define como "superprodução semiótica", ou seja, a lógica segundo a qual "o Texto não pode senão levar à indiferenciação dos objetos e gerar uma sucessão infinita". Os textos literários, na nossa época, respondem à mesma lógica da produção fabril: "o pretenso desaparecimento do fluxo na esteira da fábrica não implica que ele não tenha se disseminado para fora dela. Muito pelo contrário, o fluxo expandiu-se e alastrou-se por toda sociedade, assumindo um papel central no mundo de hoje". A literatura é atingida de forma determinante por esse processo: "as próprias obras tradicionais, quando concebidas como 'clássicos', como monumentos na galeria da cultura, facilmente transformam-se em fluxo, como atestam os festivais literários e toda a indústria que se apoia na ideia ideológica 'grandes obras' para vender seus produtos".
E a tarefa da crítica literária hoje? Por lidar diretamente com interpretação, a crítica literária é um dos poucos dispositivos que podem romper com a lógica da fluxificação, a qual caracteriza a televisão, ou a internet: "em um mundo no qual tudo tende à fluxificação, a definição do estético passa a ser aquilo que se subtrai a isso por meio da interpretação". Interpretar uma obra literária, portanto, não significa simplesmente fornecer uma opinião particular acerca de um fenômeno estético pontual, mas significa colocar uma obra dentro de uma perspectiva nova, produzindo uma cisão na percepção coletiva. A tarefa do crítico pode parecer uma atividade individual, mas nunca deixa de ser um fenômeno coletivo e "comum".
Yuri Brunello é coordenador do programa de Pós-Graduação em Letras da UFC