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O que nos diz Greta
Vida & Arte

O que nos diz Greta

Jornalistas do O POVO assistiram à estreia nacional de Greta, do cearense Armando Praça. O filme levou o Troféu Mucuripe nas categorias Melhor Longa, Melhor Direção e Melhor Ator para Marco Nanini no 29º Cine Ceará
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Marco Nanini dá vida a Greta no novo filme do cearense Armando Praça (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Marco Nanini dá vida a Greta no novo filme do cearense Armando Praça

por Émerson Maranhão

Entre a pancada e o afago

Greta é devastador. O longa de estreia de Armando Praça, deu um soco no estômago da plateia. Mas, ao mesmo tempo, é delicadíssimo. Um filme elaborado em cima de contrastes e que faz desta dualidade entre a pancada e o afago seu universo (e talvez sua metáfora definidora).

Para início de conversa, há que se reconhecer o talento de Armando tanto na dramaturgia quanto na direção de Greta. É notável a costura da trama e seu desenvolvimento, da mesma maneira que é evidente que a forma está a serviço da função em seu filme. Os enquadramentos meticulosos têm implicação narrativa, trazem significado em si para além da beleza e da mera informação visual.

A fotografia, de Ivo Lopes Araújo, é claustrofóbica, justamente porque há uma razão para sê-la. Aliás, como é comum ao melhor cinema, em tudo há uma razão para ser em Greta. Os signos estão espalhados pelos elementos cênicos, pelo figurino, pelas locações, pela partitura corporal dos atores, pelas canções incidentais, pelos diálogos.

Mas que não se esperem facilidades aos espectadores. Nada é entregue de graça, é preciso ter olhos atentos para ver. O que só engrandece a experiência de assisti-lo.

Uma experiência fílmica que é, ao seu primórdio, angustiante. Ninguém acompanha impunemente o enfermeiro Pedro (Marcos Nanini) em seus desencontros sentimentais. Em entrevista publicada no O POVO Online na véspera da estreia, Armando Praça disse que esperava que a plateia da sessão tivesse empatia pelo personagem, que conseguisse se identificar com seu desejo de amar e ser amado.

A aspiração do diretor é legítima, visto que é por Pedro que entramos e seguimos na história. Mas esta é uma vivência duríssima, que demanda coragem também da plateia, nem sempre pronta para tal. Em conversas no pós-sessão, ouvi um espectador dizer que havia gostado do filme, mas "que não o veria de novo". Outro achou o longa "pesado demais. É muito submundo!". Um terceiro rebateu: "Pesado é, mas eu conheço gente assim. Meu namorado mesmo tem amigos desse jeito". Todos, espectadores comuns, acusando a porrada que haviam acabado de receber vinda da tela.

Mérito, sem dúvida, de Armando, que conduz com maestria personagem e plateia pelas veredas entre Eros e Thanatos, amor e desamor, desejo e repulsa, sedução e rejeição, as dualidades que constroem o filme.

Mas também um grande mérito de Marcos Nanini, que se entrega de uma maneira tal a Pedro, que lhe garante a humanidade necessária para que a empatia desejada pelo diretor seja possível. A atuação de Nanini é estupenda, não há outra definição possível. É também muito corajosa. Não só pela obviedade das cenas de nudez e sexo, incomuns de serem protagonizadas por um ator de 70 anos de idade. Mas também pela disposição de sair completamente de qualquer possibilidade de conforto e se arriscar. Feito raro entre estrelas de sua grandeza.

Démick Lopes (Jean) e Denise Weinberg (Daniela), seus companheiros diretos de cena, atuam com a competência e brilho costumeiros. E merecem todos os louros por isso. Mas é inegável que o filme é de Nanini.

Por fim, Greta é um sensível ensaio sobre desejos, impossibilidades e coragem. E suas implicações. É incômodo sim, justamente porque é incômodo olhar para o que optamos fingir que não existe. Mas Greta também trata da oportunidade de construir um outro mundo, onde o amor acontece sem pedir licença.

por João Gabriel Tréz

Medo do desejo de ficar

"Eu convido vocês a abrirem seus corações e, sem reservas, recebam nossos personagens", pediu o cineasta cearense Armando Praça ao apresentar o longa Greta antes da primeira exibição da obra no Brasil. Protagonizado por Marco Nanini, o filme segue a história do solitário Pedro, um enfermeiro homossexual que, para abrir um leito no hospital para uma amiga transexual que está doente, acaba levando para casa um paciente que está sob escolta da polícia após ter agredido outro homem numa briga. Falando de solidão, afeto, amizade e envelhecimento, o filme se constrói de forma lenta e honesta. A frontalidade de algumas abordagens, porém, de fato pede que o espectador esteja aberto e disponível à obra.

Greta começa estabelecendo a condição de saúde de Daniela (Denise Weinberg em trabalho primoroso), a amiga de Pedro. Levado por ele ao hospital, a mulher tem problemas renais e está em situação delicada. Nos primeiros minutos do filme, a situação-chave proposta pela sinopse já acontece - ainda que de forma demorada, trabalhada. A partir da ida de Jean (o cearense Démick Lopes) para a casa do protagonista, Greta se desenrola debruçando-se nas relações de Pedro com Daniela e também com o recém-chegado.

Econômico, o filme constrói lentamente uma dramaturgia que dignifica suas personagens. As relações expostas no longa - em especial a de amizade entre Pedro e Daniela - são filmadas de maneira cúmplice e zelosa. Em interpretação ao mesmo tempo vulnerável e forte de Nanini, o personagem central do filme se encontra abalado com a possível perda da amiga e, a partir disso, aposta na presença de Jean como uma espécie de escape. Construído em cima de silêncios e com clima melancólico, o filme não procura o melodrama e prefere apostar na contenção. A

Visualmente, o destaque vai para a fotografia de Ivo Lopes Araújo. Um filme quase sempre de interiores, Greta traz nas imagens sensações de sufocamento e solidão. O formato da tela, mais próximo do quadrado, reforça o tom de contenção. As personagens são também, muitas vezes, filmadas "dentro" de emolduramentos criados a partir de elementos do cenário. Além disto, também são muitos os planos que optam por fechar em detalhes e partes dos corpos em cena. Por fim, destaca-se também o trabalho de luz, baseado em contrastes.

O nome Greta, finalmente, vem da admiração que o protagonista nutre pela estrela de cinema Greta Garbo. Além de ser reconhecida pelas atuações, a atriz também tem no imaginário popular a fama de ter sido extremamente solitária. No decorrer da trama, percebemos que a solidão ao mesmo tempo desejada, repelida e temida por Pedro é, enfim, também uma tentativa de permanecer em um local incômodo, mas sabido - como cantam Otto e Céu em O Leite, "medo do desejo / do desejo de ficar". A frontalidade consigo, enfim, é desafiadora e pede um reencontro de si mesmo. É deste processo - invariavelmente individual, é claro, mas também felizmente marcado por afetos coletivos - que fala Greta.

 

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