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Conheça os processos para a produção da bolsa de palha no Ceará
Vida & Arte

Conheça os processos para a produção da bolsa de palha no Ceará

A bolsa de palha é uma peça bastante requisitada na moda, nascendo de processos feitos à mão e perpassando uma economia criativa local, principalmente, feita no litoral do Ceará
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Seu Pedro é um dos precursores do Uru (um cesto utilitário da pesca artesanal) que ele hoje reproduz para Catarina Mina. O modelo existe há mais de 30 anos pelas mãos do artesão (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Seu Pedro é um dos precursores do Uru (um cesto utilitário da pesca artesanal) que ele hoje reproduz para Catarina Mina. O modelo existe há mais de 30 anos pelas mãos do artesão

Um dos artigos mais usados na cestaria do Norte e Nordeste, a palha, como o cipó, que dá um aspecto mais rígido às peças, se transforma em vários Cearás. As possibilidades do trançado vão além de chapéus e recipientes para frutas e pães. Muito antes de entrarem na moda, as bolsas, hoje, em diversos formatos, celebrando o cotidiano presente no DNA nordestino, com silhuetas de "jarro de barro", já eram difundidas pela cultura local.

A herança indígena para a "tecelagem" da fibra, além da vista de pescadores "agarrados" às bolsas (aliadas de batalha diária), é forte até hoje. Há quem valorize e seja valorizado, principalmente no interior do Estado, de onde se produz a maioria, senão quase todas as bases de bolsas do Ceará. Dona Bóba (e não Maria Helena), 47, que o diga. É artesã desde menina. "Lá na minha comunidade, toda pessoa começa a ser artesã com cinco, sete anos de idade, e continua fazendo", tira de experiência própria, há 40 anos no ofício.

A artesã é de Aracati. Aprendeu a técnica de trançar palha com a mãe, que aprendeu com a mãe dela. Hoje sobrevive da renda do artesanato. Há quase dois no projeto Ará, encabeçado por Celina Hissa, da Catarina Mina, é ela quem desenvolve os dois novos modelos da marca, ambos batizados de Arara. "Tem umas bolsas que demoram até oito horas no dia", conta. E é assim que Dona Bóba e as demais artesãs da Associação dos Moradores de Cabrero e adjacência, da qual faz parte e coordena, avalia o seu trabalho, pelo tempo de produção.

"Hoje temos uma valorização muito grande no Brasil, e até fora dele. Por conta de quem reconhece o nosso trabalho, leva as nossas peças para fora do Brasil, como já levou a Catarina e outras empresas", reconhece. Segundo a artesã, a comunidade toda sobrevive com a palha da carnaúba, homem e mulher. "Comigo são 62 artesãs, que tiram sua renda (e independência) do trabalho feito à mão", informa.

Como Dona Bóba, Fatinha, 32, é mão cheia para trabalho com palha. Ela também participa do projeto Ará, mas na confecção da Jirau. Uma bolsa com cor e alegria de quem a conhece. Mas Fatinha não está só. Conta com mais oito pares de mãos habilidosas para a produção do modelo escolhido pela marca de bolsas cearenses. "Não queria a palha, mas, de certa forma, aquilo para mim, foi sendo prazeroso", diz.

Fatinha é artesã desde os 16 anos de idade e entende bem o processo que é até uma bolsa ficar pronta. Primeiro é preciso tirar a fibra e colocá-la para secar. Só após três dias e que se tem a matéria-prima para a bolsa. Aí separar as fibras mais finas das mais grosas, a depender do modelo, e começar a trançar, a partir de uma base ("palitos") como sustentação. O resultado é algo que só se faz uma vez, apesar do padrão exigido, no trabalho com a Catarina. "Ver o seu trabalho valorizado é a melhor coisa que poderia ter me ocorrido", fala.

A cearense também é do Grupo Carnaúba da Arte. Assumiu a coordenação há três anos, no lugar da mãe, falecida. A atividade com a palha de carnaúba também é sua principal fonte de renda, e de outras 20 artesãs no município. Faz outras bolsas, da casual à moda praia, além de itens décor.

Retratos de um Ceará

Inês Nóbrega, 53, arquiteta, frequenta a região de Icaraizinho de Amontada há mais de 20 anos. Foi lá onde conheceu a típica bolsa Uru, usada apenas por pescadores, à época. Na foto, ela aparece com uma e o marido, falecido há 15 anos. Aquele dia parece que foi ontem para Inês, que guarda o gosto da memória. Depois que descobriu o lugar, ela e o marido encontraram porto. Adquiriram um terreno e ergueram uma casa para morar. O caseiro do casal era, além de alguém de confiança, um mestre do saber popular. "Entendia de tudo, só pelas pegadas na areia, já sabia que bicho tinha passado ali", conta Inês. Até de Uru ele sabia, claro. Também era pescador. Foi assim que o marido de Inês, inicialmente, se rendeu ao uso da bolsa. "Levou o Uru lá para casa". Depois disso, nada de outra bolsa ou mochila. Só Uru, "que era muito mais prático, de palha, podia molhar", justifica a arquiteta, que diz manter o mesmo hábito de usar a bolsa. "Quando começou essa moda, de todo mundo querer usar bolsa de palha, umas amigas minhas passaram a encomendar", lembra-se. "Hoje está supervalorizada, em relação àquele tempo. As pessoas enxergaram que é coisa super útil, além de ser da região", enfatiza.

FORTALEZA, CE, BR, 01.10.19 - Diana Caracas, Proprietarira da Loja Didi Caracas, Loja que deve bolsas de palhas costumizadas.  (Foto: Aurélio Alves/O Povo)
FORTALEZA, CE, BR, 01.10.19 - Diana Caracas, Proprietarira da Loja Didi Caracas, Loja que deve bolsas de palhas costumizadas. (Foto: Aurélio Alves/O Povo)

@didicaracas

Os desenhos que saem da cabeça de Didi Caracas ganham vida a quilômetros de distância, na casa de três artesãos do interior do Estado, responsáveis pela materialização das suas bolsas de cipó. O processo, que é coletivo, vai além da estética, da beleza ou volume que se propõe inicialmente. Trama-se a crença que nem Didi nem os artistas locais deixam morrer: a valorização do feito à mão. Cada bolsa de palha é única, não importa se existe outra do mesmo modelo. Ainda é única. Porque cada vez que se trança uma palha, é, um tempo, um papo, um café, diferente.

As bolsas se misturam ao cotidiano dos artesãos, e também ao de Didi, que assina o design. A empresária é uma autodidata para criações com a matéria-prima. Gosta de fibras naturais e elas também dela. Didi talvez só precisasse de um motivo para seguir em frente e trabalhar só com isso. Encontrou. A paixão que une todo criativo às artes. A de Didi é de projetar "telas de palha" em formato de bolsa com customizações dela própria, uma alça com conta, por exemplo.

O nascimento de uma bolsa de palha com o selo de sua marca homônima, @didicaracas, criada há aproximadamente três anos, é, segundo a designer, bem caseiro. Nasce de forma instintiva. "Tudo começa com o desenho que quero, em seguida, vou para o papel, onde tenho uma primeira noção das medidas. Para ter certeza do que desenvolverei, também idealizo uma espécie de protótipo, que me ajuda a visualizar o modelo", prestes a ser confeccionado.

O cesto já com cara de bolsa volta ao ateliê de Didi, onde recebe intervenções essencialmente manuais. Além de uma alça mais elaborada, Didi também dá cor à fibra. "Às vezes, o meu cipó é muito difícil. Depende da oferta de chuva na localidade onde é extraído", comenta sem revelar o lugar. Mas quem acha que termina aí, engana-se. A bolsa é repassada a outro profissional. É na etapa de finalização que se inclui o forro, detalhes em couro e ferragem. Ao total, passaram diante de seus olhos de dez a 15 dias, estimativa até uma peça ficar inteiramente pronta.

Cada bolsa de Didi é fruto de uma relação de mãos dadas, entre os artesãos locais, e a identidade regional que ela faz questão de ressaltar, nos modelos da marca. "Aqui é verão o ano inteiro, então pensei em algo que fosse atemporal e chique ao mesmo tempo", diz a designer por aptidão e amor ao que faz. "É um encontro de gerações", celebra a mesma sintonia, entre público e criadora que é.

Pelo percurso

A arte é a paixão de Silvia Alves, 42. Descendente de indígenas e filha de bordadeira, ela herdou da mãe o gosto pelas técnicas manuais. Começou com a customização. Foi depois para o bordado, mas se encontrou mesmo com a palha, há dois anos. “Minha vó foi quem me ensinou muitas coisas e me fez amar o artesanato”, conta. Silvia, do @senhoritalana, é artesã. Também investe na capacidade de ampliar seus conhecimentos. Na disciplina de fibras e fios, no curso de moda, a estudante descobriu que a palha, a partir de uma técnica desenvolvida por ela, poderia ocupar lugar de “tecido” para o corte das bolsas. Os modelos são os mais variados como as mini e maxi especialmente produzidas para o desfile de Vitor Cunha, em maio deste ano, no DFB Festival.

“Meu contato com as bolsas de palha foi por meio da customização. Eu comprava as bolsas, e forrava dentro”, conta Silvia, antes de dar vida aos próprios modelos. “Corto como se ela (a “esteira” de palha) fosse um tecido”, detalha. As fibras, segundo ela, são todas naturais. “Do buriti, e da palha do milho, não trabalho com palha artificial”, certifica. Na parte de customização, que é expertise há 25 anos, ela aplica outras técnicas manuais, como o crochê e o macramê, além do bordado. “As bolsas são mais valorizadas fora do Ceará. Aqui o artesão ainda é muito explorado por pessoas que vendem as peças mais caras com suas marcas”, pontua Silvia, apesar de acreditar em um novo mercado (e momento) para o tipo de acessório. A atividade de artesã é dividida com a de supervisora de fábrica de moda. Os pedidos das bolsas são sob encomenda, em seu ateliê em casa, que, em breve, pretende ampliar.

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