Breaking Bad é um dos grandes títulos de todos os tempos da TV, o que fica mais evidente ainda ao gerar frutos diretos da sua história tantos anos depois de seu término. O primeiro foi a série Better Call Saul, focada no advogado malandro do protagonista da série principal. O segundo fruto é o filme El Camino, lançado pela Netflix, que retrata o que aconteceu após o final da série com o coadjuvante mais importante dessa história, Jesse Pinkman.
Tem certos coadjuvantes que merecem mesmo o protagonismo. Em Breaking Bad, por exemplo, temos a história de um homem que abraça a vida de crimes traficando drogas. Ele havia sido diagnosticado com câncer de pulmão, a mulher estava grávida, o filho tinha paralisia cerebral e a carreira de professor de ensino médio não bancava as dívidas que ele já tinha e as que estavam por vir. Walter White entrou tanto nessa vida ao ponto de criar uma espécie de alter-ego que evocava todo seu lado mal, o Heisenberg. Seu ajudante nessa empreitada é Jesse Pinkman e, acredite, ele é até mais interessante que o personagem principal.
Jesse era aluno de Walter White e foi ele quem impulsionou o personagem a fazer a complexa transição de professor de química para o traficante mais famoso da região. Um asco, por assim dizer, Jesse não precisava do envolvimento que tinha com drogas, era um péssimo aluno e claramente um desajustado. Porém, enquanto Walter White vai se tornando Heisenberg, Jesse Pinkman vai se tornando o contrário disso, quase uma vítima. De péssimo aluno, ele passa a entender química como ninguém (apesar dos motivos sórdidos), se demonstra um ser carinhoso e alguém que busca sair dessa vida, mas que é tragado pelo vício, pelo dinheiro fácil e pela insistência do seu companheiro de crime.
Cultuado, é fácil jogar em Walter White todos os louros de Breaking Bad, mas é Jesse quem define o Walter White que conhecemos. E é Jesse quem tenta definir um fim digno para ambos os personagens, mesmo que esse fim não seja a melhor coisa que poderia acontecer para a série enquanto narrativa. Estou falando de vida, não de história. Em um dos episódios mais marcantes da série, sem dúvidas um dos momentos mais dramáticos, Jesse perde a namorada por negligência do "colega de trabalho" e jamais fica sabendo disso. Vince Gilligan, diretor, criador e roteirista da série finalmente assume a importância desse acontecimento quando volta ao assunto em El Camino, vários anos depois. Digo mais, finalmente ele alça Jesse Pinkman ao posto de protagonista ao revisitar carinhosamente o relacionamento dele com essa namorada.
El Camino não fala sobre drogas, sobre cartéis do crime e, se não fosse a morte de um ou outro, sequer falaria de crime. O filme é um faroeste moderno cujo foco é na jornada do homem que não se reconhece mais pelo seu nome e vida, nem pelo seu passado. Facilmente um personagem que serviria de origem para o Homem sem Nome, vivido por Clint Eastwood na "Trilogia dos Dólares", uma das maiores quando o assunto é western spaghetti.
Nesse filme, Jesse é o protagonista do merecimento. O ator melhorou, os tempos mudaram e a história não poderia mais fugir de apontá-lo como o nome mais importante daquele microcosmo. De um fanfarrão que falava um palavrão a cada três palavras, ele passou a ser o personagem mais sensato daquele cenário. Como prêmio, sua busca por dinheiro pela primeira vez se deu para viver uma nova vida, longe dos antigos problemas e do antigo ele. Melhor ainda, ao final de tudo ele se encontrou com o próprio passado e aprendeu dessa vez a ser guia no próprio universo e não um guiado. Aprendeu a ser o principal ator da sua própria história, do seu próprio sonho, não mais um coadjuvante.
PH Santos é membro da Aceccine (Associação Cearense de Críticos de Cinema)
Novo destino
O plano inicial do criador de Breaking Bad era que o personagem Jesse Pinkman morresse ao final do episódio 9 da 1ª temporada. Porém, como em 2008 houve uma greve do sindicato dos roteiristas, a série precisou ter sete episódios a menos. Na pausa, vide a aceitação pelos fãs, Vince Gilligan transformou Jesse em peça indispensável para a história.