Até tudo estar definitivamente pronto deu cinco horas da manhã do dia 17 de outubro. Nesta mesma quinta-feira era o dia do desfile. A volta da Amapô ao São Paulo Fashion Week, desta vez, com coleção em parceria com o Senac-CE, a “SerTão Cariri”, resultado de uma colab inédita desenvolvida há dois meses pelas estilistas da marca, Carô Gold e Pitty Taliani, com um grupo de alunos do curso Desenhista de Moda da unidade Crato e Seu Espedito Seleiro, que além de assinar design em co-autoria (a pochete de franja usada na cintura dos modelos), foi o grande homenageado da noite, com parte do desfile dedicado a ele, em comemoração pelos seus 80 anos de idade.
O local para apresentação e reverência ao mestre não poderia ser outro: no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Ibirapuera, onde a força criativa – e responsável - da moda voltou a falar mais alto com o retorno da mais importante semana de moda do País ocupando o espaço. Foi de lá que o público da edição N48 caiu nas graças do Ceará e do Nordeste, a partir de um sertão novo, alegre e diverso, embalado por versos de Luiz Gonzaga, eterno Reio do Baião.
A irreverência da marca junto ao potencial dos alunos, que não só desenharam, também modelaram, costuraram e até pintaram à mão, no caso das estampas de "pano de prato", associação bem humorada por Carô e equipe, é estendida a vários Cariris dentro de um só. “Nosso desfile é como se fosse uma peça de reisado. Ele tem atos, tem histórias no meio, além de pequenos números”, antecipou a estilista, do bakcstage, minutos antes de soltar o show dançante na passarela.
Para conseguir traduzir a essência do Sertão Cariri visto pela primeira vez por Carô e Pitty, o trabalho colaborativo, com gente da região, incluindo o olhar sábio de Seu Espedito, foi fundamental para que a materialização das ideias (muitas!) desse essa liga. “Tudo nessa coleção é assim. Tudo é misturado”, não há um crédito só. A paixão das estilistas pelo que fazem está no legado da marca há 15 anos. Conectar pessoas por meio da moda. Com a "SerTão Cariri" não foi diferente.
Além do sentimento colaborativo unindo gerações, a nova coleção da Amapô também se transforma em um convite. Chama atenção para o resgate da própria identidade local. "Tenham coragem de olhar para cá. Não fiquem buscando longe o que vocês têm tão perto", lembra-se Carô de ter repassado aos alunos durante a troca, segundo ela, mais divertida e valiosa de toda a experiência.
A casadinha com a marca revela o segundo passo de um projeto lançado em maio, quando a coleção “Cariri Visceral”, do Senac Crato, deixou suas primeiras impressões na edição 2019 do DFB Festival. Quem conta é a instrutora dos 14 alunos que ajudaram no desenvolvimento agora de nova coleção, Ariane Moraes. “Desde a coleção Cariri Visceral nós tivemos bastante contato com o senhor Espedito. E agora não foi diferente até porque a Amapô já conhecia o trabalho do mestre artesão”, explica.
Na passarela que ela também ajudou a imprimir, um Cariri florido, de riquezas culturais, regado pela fé, ora na vida, ora em Padim Padre Cícero, vindo no print de uma das calças e em um look completo de devoção religiosa, intercalado entre os famosos arabescos do mestre Espedito, que dominou a coleção Amapô x cearenses.
Um Cariri em festa? Tem sim senhor. É só escolher como quer ir vestido. O sertão, os vaqueiros, o Reisado, os romeiros, tudo é pano (e couro) para manga e afins. Até os tênis, todos customizados, fazem referência às cabeças de Reisado. "É de grande importância ver que a nossa cultura está sendo divulgada nas passarelas do maior evento da América Latina para o mundo. É a porta maior para que todos possam também conhecer as nossas riquezas", atribui um dos alunos de Ariane, Lucas Sampaio, de 22 anos, sobre o trabalho ao total 30 peças com a Amapô e seu Espedito.
A parceria com a marca no SPFW também serviu de aprendizado para Cristiane Romão, de 31 anos. "Ter uma marca referência na moda brasileira como a Amapô Jeans, que tem um olhar mais amadurecido dentro do mercado da moda nos incentivando a produzir uma coleção inspirada na nossa cultura, nos fez valorizar ainda mais o grande potencial que temos", diz a aluna.
Ao mestre, com carinho
Aos 80, seu Espedito Seleiro segue incansável mostrando sua arte para quiser ver. Se duvidar, é notícia nos quatro cantos do mundo. É um ícone da cultura popular, uma lenda viva das artes em couro. O arabesco das sandálias confeccionadas lá em Nova Olinda, e que rapidamente se espalhou pelo Brasil, saiu da cabeça dele. É o precursor dessa história. Por coincidência claro que os clássicos calçados e outras ideias com o DNA Espedito estariam no desfile da Amapô no SPFW. O mestre artesão também tem "dedo" na "SerTão Cariri". O resultado ele acompanhou de perto, na fila A, de onde foi reverenciado por diversas - e merecidas - vezes, por modelos e dançarinos de forró. Um grande baile que se formou, apreciando o que ele sabe que deixa de melhor, sua identidade de artista. “Acho que devemos fazer isso mesmo. Tem que mostrar quem a pessoa é enquanto está viva. Porque depois que morre para que serve a homenagem? Acho que alguém pensou bem nisso aí”, nos contagiou com seu bom humor de sempre. Para o artesão, que já esteve outra vez na semana de moda, cada releitura que o homenageia é um novo capítulo a se estudar. A Amapô com o diálogo com os jovens, por exemplo. “Tem de aproveitar a época e o momento certo. Porque se nós não fizermos isso, quando for amanhã ou depois ninguém mais sabe o que é uma sela, um sapato, uma roupa de vaqueiro. Aqui mesmo acredito que tem muita gente que não entendeu muito desse desfile. Porque os calçados, assim como os trajes são diferentes. Mas é o nosso sertão, nosso Ceará, aqui dentro de São Paulo”, celebrou.