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Exposição no Sobrado Dr. José Lourenço relembra chacina do Curió, ocorrida em 2015
Vida & Arte

Exposição no Sobrado Dr. José Lourenço relembra chacina do Curió, ocorrida em 2015

| Arte e protesto | Em cartaz até o próximo dia 20 de novembro, a exposição Nomes recompõe as vidas das vítimas da chacina do Curió a partir de registros, arquivos e elaborações artísticas
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Imagem de uma das videoinstalações expostas em Nomes (Foto: reprodução do vídeo)
Foto: reprodução do vídeo Imagem de uma das videoinstalações expostas em Nomes

(os excertos poéticos deste texto são de autoria do morador do Curió e poeta Talles Azigon)

Curió

A casa não existe sozinha

a bacia de cima da pia

cheia de louças,

o balde grande aparando água,

é o que oferecem vida

para os tijolos, vigas e telhas.

É voz de laura cortando o corredor,

é vó já velhinha dentro da rede.

O trabalho de conclusão de curso de História do morador do Curió e estudante da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Marcus Vinícius Bezerra da Silva leva o nome de Conjunto Curió: uma mistura de gente, cores, idades, bairros, credos, árvores e pássaros. O TCC do jovem se aprofunda no percurso histórico de construção do bairro e é apresentado - juntamente de fotografias dos arquivos pessoais de Dona Teresinha e Dona Côca - no último dos seis espaços da exposição Nomes, em cartaz até 20 de novembro no Sobrado Dr. José Lourenço. Forma de cantar a dor, mas também a vida, a mostra aborda a chacina ocorrida no bairro da capital cearense em 2015 - na qual morreram 11 pessoas - para falar de muito: das vidas dos jovens que partiram por diferentes formas de violência policial do Estado, das lutas de quem ficou, das possibilidades de criação de outras realidades. Nomes é um projeto coletivo, composto por mães, artistas, pesquisadores, professores e também com participação do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA-CE), do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), do Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará, da Casa Avoa e vários outros parceiros.

Coletiva também foi a construção do Curió - que leva nome de pássaro -, como Vinicíus mostra no TCC. De terras pertencentes a somente uma família, o local recebeu a construção de casas da Caixa Econômica Federal nos anos 1980. Pessoas foram se juntando, reivindicando melhor infraestrutura e, então, começou o Mutirão Nacional de Habitações, programa governamental que contou "com o empenho de diversas mãos", "moradoras e moradores que construíram suas próprias casas". O gesto do coletivo, da reunião, reverbera de lá até aqui. Nomes também se faz coletiva, unindo não só pessoas e colaborações, mas ideias e expressões, formas de arte e histórias pessoais, olhar histórico e contemporâneo.

Nós a fazemos viva

viva ela nos faz.

Faltando uma peça

no jogo americano da vida

seríamos ruínas.

Na primeira das salas, uma parede acolhe fotos de arquivo pessoal de famílias atingidas pela violência do Estado - não apenas as mães dos jovens do Curió, mas também de jovens de outros bairros, de centros socioeducativos, do sistema prisional. Na segunda sala, logo em seguida, uma videoinstalação dá vazão aos depoimentos de seis dessas mães. Na terceira e última sala do andar, uma instalação sonora ecoa textos de jovens moradores do bairro, com vivências atravessadas por essas violências.

Cada memória

compõe este encarte,

por isso os corações mais perto do amor

sentem dó sem fim

de por fim

em algo de dentro,

se está dentro

é porque faz funcionar.

O segundo andar guarda em si expressões artísticas diversas, de videoinstalações performativas criadas e interpretadas por 11 atrizes e atores a fotografias do Curió tiradas por jovens artistas do bairro, de lambe-lambe a poesia. Ao final, encerra a exposição a sala que documenta: são dispostas em uma mesa exemplares do jornal comunitário Folha Curió, de relatórios e publicações dos parceiros e, nas paredes, destacam-se a pesquisa histórica do estudante Marcus Vinícius e também onze relógios, com os ponteiros congelados nos horários do óbito de cada jovem morto na chacina.

Nomes pretende se espalhar, ecoar os cantos do Curió para outros bairros que convivem cotidianamente com a repressão legitimada pelo Estado. A intenção de itinerância reverbera, de novo, o coletivizar.Nomes elabora o luto e a luta a partir de elementos e recursos diversos, que possuem camadas mais diretamente ligadas ao trauma e à dor, mas também ligadas à reafirmação e aos processos de vida - todos colocados e entrecruzados num trabalho que vê a memória como motor de ação, que se desdobra em gestos: o de reconstrução de histórias e, em consequência, o de busca pela construção de novas.

Exposição Nomes

Quando: visitação terça a sexta, de 9 às 17 horas; sábado, de 9 às 14 horas. Em cartaz até 20/11

Onde: Sobrado Dr. José Lourenço (rua Major Facundo, 154, Centro)

Mais infos: @sobrado154

 

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