Ao número 71 da rua Torres Câmara, no bairro Aldeota, Caio Napoleão iniciou um modesto negócio: recém-casado, o jovem de então 19 anos instalou uma churrasqueira na frente da casa dos pais para vender frango, baião de dois e paçoca. Era outubro de 1994. "No começo eram só três mesinhas. Depois foram quatro, cinco, seis — e foi aumentando a variedade de pratos também", relembra. O Cantinho do Frango logo prosperou e ganhou a garagem, expandiu-se para o quintal, adentrou a casa, cresceu até a residência vizinha. Hoje, o restaurante completa 25 anos como referência em gastronomia regional e reduto da autêntica música cearense. Para celebrar a trajetória repleta de boas parcerias — regadas a muita cachaça e palinhas históricas —, o show coletivo Galos, Noites e Quintais ocupa o espaço neste sábado, 26, a partir das 17 horas.
Com 750 m² na matriz, além de uma unidade franqueada no Parque Manibura, o premiado restaurante na categoria "bom e barato" foi a primeira galeteria da Capital a incluir frango desossado no extenso cardápio — e a ave-símbolo da casa na receita com baião, farofa de ovos e purê de batata, o famoso Frango à Cantinho, é o carro-chefe dos pedidos. No Cantinho, entretanto, é possível provar de tudo: da Panelada da Vovó Ieda ao Desarrumadinho à Façanha, passando por sarrabulho e carneiro cozido. "A base é a comida regional", continua Caio. Com mais de 400 rótulos de todo o Brasil, a cachaçaria do estabelecimento é outro atrativo. Batidas de cachaça — como Alucinação, Mucuripe e Voadora na Pleura — reúnem amigos em volta das mesas ao longo do dia. O espaço oferece também o serviço de barbearia vintage desde o ano passado, o Cantinho Barba Café. "A gente também pensa em abrir um estúdio de tatuagem e uma tabacaria no espaço", adianta o proprietário.
Mas é a música que torna o Cantinho do Frango inesquecível. Caio herdou do pai, Napoleão Soares Neto, a paixão pela primeira arte. "Na minha casa tinha uma sala de som e meu pai tinha também muitos livros de cinema. A gente ouvia música local, MPB, jazz...", rememora. No Cantinho do Frago, mais de três mil discos abarrotam as estantes. "Meu primo, o cantor e compositor Chico Pio, vinha muito para o Cantinho e juntava a turma... Manassés, Humberto Pinho", enumera. Ao longo da história, o restaurante recebeu projetos musicais como o Clube dos Gatos nas quintas boêmias; a Vinil Happy Hour, com o DJ Alan Morais; e o Encontros, que reúne diferentes gerações do cenário musical cearense.
Idealizado por Caio em parceria com o músico Mimi Rocha, o designer Henrique Baima e o realizador audiovisual Valdo Siqueira, o projeto Encontros surgiu há sete anos. "O Cantinho era o lugar em que a gente ouvia vinil e ia lá pra comer, tomar aquela cervejinha, encontrar os amigos geralmente depois dos ensaios e gravações no estúdio Ararena, na Aldeota, na década de 1990. 'Vamos almoçar no Caio?' e esticávamos um pouquinho mais. Em um domingo em 2012, a gente estava ouvindo o vinil Chão Sagrado, do Rodger Rogério, e ficamos naquela emoção: 'Rapaz, todo mundo tem que conhecer esse disco! Que a gente pode fazer? Fazer um show tocando as músicas!'. Daí surgiu o Encontros", explica o guitarrista Mimi Rocha. "A gente começou homenageando Rodger, Lúcio Ricardo, Chico Pio, pessoal da Massafeira, Mona Gadelha... Foi muita gente. Até o Aniversário do Ednardo fizemos. A parte cultural do Cantinho se expandiu muito e a ideia do projeto é mostrar para as novas gerações esse encontro", complementa.
E, assim como vodka, maracujá, tangerina, abacaxi e melaço se misturam na Voadora na Pleura, o Pessoal do Ceará (década de 1970), a Massafeira (década de 1980) e cantores de gerações atuais como Jonnata Doll, Lidia Maria, Daniel Groove e Nayra Costa também se reúnem nos palcos do Cantinho do Frango. Mona Gadelha, cantora, compositora e coordenadora do Laboratório de Música do Porto Iracema das Artes, festeja essa multiplicidade. "Sempre que eu vinha de São Paulo (onde morou durante décadas), eu tinha necessidade e vontade de ouvir música cearense. Mas não tinha um lugar para conviver com esses compositores, trocar ideias, ver algumas releituras do próprio Pessoal do Ceará. Esse movimento do Cantinho foi incrível porque começou uma série de shows, alguns históricos: lá eu fiz uma homenagem ao Brandão em que o Ednardo se levantou e cantou comigo Alazão, uma parceria deles, e isso entrou na coleção de momentos únicos para mim".
Para Mona, o Cantinho virou um ponto de encontro muito interessante "que me remete ao (extinto) Bar do Anísio. É legal ter esses lugares como referência histórica, como o Clube da Esquina (em Minas Gerais). O Cantinho é esse espaço aberto à música cearense, à nova cena, e se tornou uma casa dos músicos e das artes".
"É muito importante esse processo de se voltar para a música cearense. A gente admira a música brasileira e as suas vertentes em outros estados, mas a gente tem uma música muito rica, diversificada, marcada por ser multifacetada aqui. É muito importante que a gente tenha o Cantinho do Frango também pela amplitude de visibilidade à música do Ceará", continua Mona. Diretor da programação musical do aniversário do restaurante neste sábado, ao lado de Herlon Robson, o músico Moacir Bedê soma-se à Mona. "O artista precisa valorizar muito os donos de bares que investem na música. É fundamental pra gente, pra Cidade, pra cultura local, isso fomenta muitas coisas. A cultura é uma fonte de renda. Cultura não é ajudar o artista: é o artista que transforma a Cidade", defende Bedê.
No palco da festa, irão passar nomes de vários estilos e gerações da música cearense: Lúcio Ricardo, Valdo Aderaldo, Mimi Rocha, Nayra Costa, Roberta Fiúza, Márcio Resende, Rian Batista, Oscar Arruda, Chico Pio, Renegados, Nélio Costa, entre outros. Os artistas também prestam homenagem a outro aniversariante do dia, o cantor Belchior, que estaria completando 73 anos. Além de Galos, Noites e Quintais, o Cantinho completa 25 anos ganhando um novo e importante espaço: o 78 Rotações, uma loja de vinis e equipamentos de som. O local abre as portas neste sábado com um acervo de 1000 vinis, entre novos e usados, garimpados pelo sócio DJ Marquinhos.
Cantinho do Frango comemora 25 anos
Show coletivo Galos, Noites e Quintais e inauguração da loja 78 Rotações
Cantinho do Frango comemora 25 anos
Quando: hoje, 26, a partir das 17 horas
Onde: rua Torres Câmara, 71 - Aldeota
Programação gratuita e sem couvert
Informações: cantinhodofrango.com
Facebook: /cantinhodofrango
Instagram: @cantinhodofrangodesde1994
Sons, alma e sabores
Certa vez ouvi um amigo comparando um bar de Fortaleza ao Cantinho do Frango. "Lá é legal, mas não tem alma", foi o diagnóstico que dava vantagem ao Cantinho. É engraçado atribuir algo tão transcendente a um restaurante, mas faz todo o sentido. O nome não diz muita coisa e poderia batizar qualquer galeteria de qualquer cidade brasileira. Mas o fato é que uma combinação de fatores acabou fazendo de "Cantinho do Frango" uma grife na Cidade, um estabelecimento "com alma". Se for para citar dois desses fatores, um deles seria um cardápio que é regional sem querer ser regional. Ele apenas é, e foge de estereótipos, embora valorize o óbvio com inteligência — lá, uma panelada parece cult. O segundo fator seria a música onipresente, de excelente nível, que questiona qualquer conceito de popular ou sofisticado. Ah! Tem mais um fator importantíssimo: tem um bom humor no ar. Parece que as pessoas estão ali, não por um prato ou outro, essa ou aquela atração, mas por que é legal estar ali. O Cantinho em si é a principal atração. Da barbearia ao Cocoricó Jazz, parece que as ideias nascem num rompante, entre um gole e outro, já com a certeza de darem certo. Mas, se não der, outro gole e vamos em frente. Fato é que acho que só entrei no Cantinho do Frango uma vez, há cerca 10 anos, mas não saí de lá desde então.
Marcos Sampaio é jornalista do O POVO e autor do blog Discografia (blogs.opovo.com.br/discografia)