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Asterix, o pequeno herói gaulês, completa 60 anos
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Asterix, o pequeno herói gaulês, completa 60 anos

Personagem criado pelos franceses René Goscinny e Albert Uderzo permanece como símbolo de resistência e exaltação das minorias
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Os amigos Obelix e Asterix (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Os amigos Obelix e Asterix

No ano 51 A.C., Júlio César venceu o chefe gaulês Vercingetorix na decisiva batalha de Alesia e consolidou o domínio do Império Romano sob a região por pelo menos mais dois séculos. Ou pelo menos é isso que diz a versão oficial. Na versão reimaginada pelo roteirista René Goscinny e o desenhista Albert Uderzo, uma pequena aldeia de irredutíveis gauleses resistiu ao domínio imperial, provocando sucessivas frustrações ao todo poderoso Júlio César. Nesta terça-feira, 29 de outubro, o habitante mais famoso dessa vila completa 60 anos: Asterix, o Gaulês.

Os franceses Goscinny e Uderzo já tinham demonstrado sua preferência pelos derrotados em guerras históricas na série de quadrinhos do personagem Umpa-Pá, primeira parceria entre os dois. Nelas um índio norte-americano é retratado como forte e heroico, enquanto os colonizadores são mesquinhos e covardes. Nada mais natural do que seguir no rumo da exaltação dos vencidos agora com um personagem da própria terra; afinal, os gauleses são retratados como ancestrais do povo francês.

Nas histórias de Goscinny e Uderzo, os romanos podiam ter mais dinheiro, poderio militar e organização bélica, mas os gauleses acabam triunfando por terem mais união, inteligência e, claro, a fórmula de uma poção mágica que lhes dá superforça. Em 37 álbuns publicados até hoje, Júlio César já tentou vencer a aldeia gaulesa com incontáveis legionários, intrigas internas e até mesmo com o poder da especulação imobiliária; no fim das contas, Asterix, o baixinho bigodudo, e Obelix, seu amigo corpulento, sempre acabam derrotando os poderosos romanos.

As histórias de Asterix e Obelix são, no fim das contas, o enaltecimento daqueles tratados como derrotados pela história oficial, mas que guardam - para Goscinny e Uderzo - uma dignidade maior que a dos supostos vencedores. Na história reimaginada pelos autores, uma pequena aldeia poderia resistir a um imenso império, os poderosos são tratados como ridículos e os bárbaros são sábios. Talvez não seja um acaso que Asterix tenha florescido na década de 1960, época da contracultura e da resistência ao imperialismo.

Certamente não é um acaso que Asterix tenha se tornado um símbolo nacional. A França, retratada com galhofa na cultura popular, suas derrotas em guerras contra outras potências, finalmente tinha um guerreiro imbatível para chamar de seu. Que ele seja baixinho, espirituoso e ficcional apenas contribuiu para sua idolatria em terras francesas.

Quando a primeira história do Asterix foi publicada, em 1959, os quadrinhos ainda eram tratados como um passatempo infantil e uma editora chamada Atlas Comics estava prestes a falir. Hoje as histórias em quadrinhos, incluindo Asterix, estão presentes em ementas de cursos universitários e a Atlas se tornou Marvel, uma gigante da cultura pop.

De lá para cá, o gaulês baixinho e bigodudo sobreviveu à morte de um de seus autores, a aposentadoria de outro e a própria crise de publicações em papel, tudo sem dar sinais de cansaço: o último álbum do personagem, já sem a participação de nenhum dos autores originais, teve tiragem inicial de 5 milhões de cópias e mais um está previsto para lançamento no ano que vem. Pelo visto esses quadrinhos são tão irredutíveis quanto certa aldeia gaulesa.

Lucas Aquino é pesquisador sobre quadrinhos e mestrando em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo

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