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Em Death Stranding, humanidade precisa se reconectar para sobreviver
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Em Death Stranding, humanidade precisa se reconectar para sobreviver

Novo jogo disponível para Playstation 4 fala sobre conectar pessoas, mas vai dividir muito as opiniões
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Death Stranding está disponível para Playstation 4 e será lançado para PC em 2020 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Death Stranding está disponível para Playstation 4 e será lançado para PC em 2020

Hideo Kojima é um dos maiores nomes da indústria dos games. Após três décadas à frente de uma só franquia (Metal Gear), muitos ansiavam em vê-lo criando diferente de tudo o que havia feito antes e livre de qualquer interesse alheio. De 2015 para cá, Hideo tornou-se independente e obteve junto à Sony recursos e liberdade para planejar seu próximo passo. Após quatro anos, Death Stranding surge como resultado desse processo e envolto de muita expectativa.

O jogo é objetivamente um simulador de entregas. Em um futuro distópico, o foco é realizar longas travessias superando obstáculos para avançar o enredo. É possível construir estruturas como cordas, escadas, pontes ou mesmo estradas pelo caminho. Conectado à internet, construções de outros jogadores podem surgir, dando um ar de cooperação, ainda que indireta. Ao final de cada entrega, uma nota é atribuída, quanto maior, melhor. Terminada uma entrega, novas surgirão e a dinâmica se repete. Há momentos de combate, especialmente próximo do final, mas são raros e quase não dá para considerá-los parte integral da experiência.

Mesmo diferente, é difícil não se desapontar com o gameplay de Death Stranding. Ainda mais quando alguns obstáculos são intensificados apenas para tornar algumas entregas mais demoradas, e não mais desafiadoras ou interessantes. Como exemplo, um recurso obtido no início permite evitar a chuva, pois ela atrai inimigos e força você a ir mais devagar. Perto do final, sem muita explicação, passa a chover no mapa inteiro, inutilizando a ferramenta inteiramente. A ausência de espaços povoados, a superficialidade de grande parte dos diálogos com personagens secundários, e a injustificável repetição da arquitetura de vários espaços internos faz o título parecer inacabado em alguns momentos.

O mapa é livre para explorar desde o início, entretanto há pouco para se aventurar para além da narrativa principal. Apesar disso, é inegável o senso de grandeza e liberdade advindo dos gráficos do jogo e de inserções da trilha sonora em momentos icônicos. O mundo aberto do jogo emana grande potencial, mas logo se converte em frustração pelo sistema de controle do personagem. Por conta dos tamanhos e pesos, você só carrega alguns pacotes por conta própria antes de se desequilibrar e potencialmente derrubar a carga, comprometendo a entrega. Não é preciso ser um entregador profissional para imaginar que esta não é uma parte divertida da profissão. Todo movimento envolve uma certa inércia, que deixa tudo impreciso e desagradável de controlar.

É possível entender (boa parte) do que se trata Death Stranding apenas pelo arco principal. Um evento de extinção em massa devastou os Estados Unidos, deixando nada além de sobreviventes isolados, criaturas fantasmagóricas presas ao plano dos vivos, e uma centelha de esperança. Liderada por uma presidente em estado terminal, a União das Cidades Americanas aposta suas fichas em Bridges, um projeto de reconstrução que usa entregadores e uma tecnologia misteriosa para reconectar os sobreviventes e reerguer a nação. Sim, a alegoria aqui é clara e, segundo o próprio Hideo Kojima, intencional.

Apesar da narrativa e visual diferentes, seus temas são familiares. Sam Porter Bridges é o típico herói relutante e, obviamente, o mais especial dos entregadores. Por motivos revelados durante o game, sua condição é única e se relaciona com o apocalipse e suas consequências. Assim, repousa sobre seus ombros a missão (e o clichê) de salvar o mundo.

Boa parte da trama é entregue por meio de sequências super bem feitas, protagonizadas por atores conhecidos, como Léa Seydoux (007 Contra Spectre), Mads Mikkelsen (série Hannibal), Margaret Qualley (Era Uma Vez em... Hollywood), e o próprio Norman Reedus (The Walking Dead) - que encarna Sam. Apesar da qualidade de cada cutscene, pela complexidade de alguns conceitos, além do mero "jogar o jogo", é necessário ler páginas de emails e entrevistas fictícias in-game para entender a história por completo. Tanto conteúdo extra, que deveria ser apenas opcional - voltado aos players mais engajados - neste se torna quase obrigatório para um entendimento pleno da narrativa. Ainda sim, e, em especial, por conta do final, a história de Death Stranding é válida e muito interessante.

Death Stranding é, indiscutivelmente, algo novo, ousado e reflexo de um visão artística única, e que muitas vezes é questionada pela sua teimosia (ou convicção) em se manter na mídia games, quando claramente, vislumbra a mídia cinema. Ainda assim, foi através de um jogo que Kojima contou sua nova história e fez sua nova obra de arte. Muito se discute sobre o quanto podemos criticar a obra de um artista com base em nossa mera expectativa. Contudo Death Stranding é arte assim como jogo, e como jogo, carece de mais do que apenas arte.

 

Davi Rocha é integrante do canal de Youtube Bacontástico

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