Em Dedicatória da segunda edição do Cristo cigano a João Cabral de Melo Neto, poema publicado no livro Ilhas (1989), Sophia de Mello Breyner Andresen define o brasileiro como um "poeta que traz / à tona o que era latente / poeta que desoculta / a voz do poema imanente". Apesar de dedicar as palavras a um colega, é possível relacioná-las à própria portuguesa. Para além da própria obra, a poesia da poeta reverbera em questões e outras linguagens que levam consigo "a voz do poema imanente".
"Conheci a obra da Sophia pela música. Foi com Bethânia que acabei chegando na sua escrita", inicia a psicanalista Sabrina Barros. Após ouvir a cantora baiana declamar Apesar das ruínas e da morte no DVD Noite Luzidia (2001), foi tocada e virou admiradora. "Também vi que Antonio Cícero, que é um escritor que admiro muito, citava esse e outros poemas assinados por Sophia de Mello Breyner. Assim começou minha leitura", remonta. O poeta e produtor cultural Talles Azigon também conheceu Sophia pela obra de Maria Bethânia, definida por ele como "uma grande fã e divulgadora" da poeta.
Talles relaciona a obra de Sophia com a de outra brasileira, também poeta: Cecília Meireles. "Quando escutava a Bethânia recitar os poemas da Sophia, algo me soava conhecido, particular, e eu pensava que tinha muito a ver com a poesia da Cecília. As duas são poetas contemplativas, se voltam aos fenômenos externos para fazer reflexões internas", aproxima. A escritora carioca já foi tema de um ensaio escrito pela portuguesa em vida, assim como o já citado João Cabral de Melo Neto. Encontros literários também foram travados por ela com nomes como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. "Não há como negar o vínculo literário e afetivo entre ela e os poetas do outro lado do mar", reforça a professora da USP Paola Poma.
"A gente tem uma poética fortalezense muito voltada para o mar, o pescador, o litoral. Fortaleza, daqui do Nordeste, é o ponto mais próximo de Portugal. Com todos os problemas do país como colonizador, que dizimou os indígenas, são dois países muito ligados pela corrente marítima. Estamos contemplando um mesmo oceano", relaciona Talles, que ainda liga a obra da poeta a questões bem atuais. "O que reverbera quando a gente lê Sophia hoje é uma espécie de tentativa de nos reconectarmos com aquilo que é mais simples, aquilo que é natureza - as forças das águas, do movimento das aves - em um contexto tão caótico como o das manchas de óleo. O que nos conecta com a Sophia é lembrar que nós pertencemos à natureza", atesta.
Direta, bem dosada e sensível, a escrita de Sophia dialoga, enfim, com diferentes contextos, questões e reflexões, desde o seu tempo - "(a poesia) pede-me que viva atenta como uma antena", afirma em Arte Poética II - até os tempos de hoje. "A relação do que ela faz com as coisas, de como relacionar essa pedra, esse rio, com tudo aquilo que ela chama de 'percepção do real' é, no fim das contas, pensar que o poeta é um escutador, atento", reflete Sabrina. Em Arte Poética III, a própria poeta atesta: "Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser".
Coral e Outros Poemas
Antologia de parte da obra poética de Sophia organizada pelo poeta brasileiro Eucanaã Ferraz, o livro apresenta poemas de diferentes fases da obra da portuguesa.
Poesia filmada
Dirigido por Rita Azevedo Gomes, Correspondências (2016) recria a troca de cartas entre Sophia e o amigo Jorge de Sena, poeta exilado pela ditadura portuguesa. Outro representante audiovisual é o curta Sophia de Mello Breyner Andresen (na foto, 1969) de João César Monteiro. O diretor afirmou, à época, que o filme é a prova de que "a poesia não é filmável e não adianta persegui-la".
Jardim Botânico do Porto
Na casa onde Sophia passou infância e parte da adolescência - conhecida por Casa dos Andresen - está, hoje, o Jardim Botânico do Porto. Alguns dos jardins guardam referências à poeta. Em um deles se encontra uma espécie de pedestal gravado com o nome de Sophia.
Mar de Sophia
Em 2006, a baiana Maria Bethânia lançou um disco inspirado pela poética de Sophia. Nele, canções debruçadas em temas marítimos são entremeadas por declamações de poemas da portuguesa. O CD abre, por exemplo, ligando os versos de Inscrição - "Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar" - ao Canto de Oxum.
Momentos edocumentos
Maria Andresen Sousa Tavares, uma das filhas de Sophia, apresenta e coordena o site Sophia de Mello Breyner Andresen no seu tempo: Momentos e Documentos. A página, ligada à Biblioteca Nacional de Portugal, reúne amplo conteúdo sobre a poeta portuguesa. Há momentos de vida e obra divididos por décadas, índice geral de poemas, entrevistas concedidas pela poeta, poemas escritos por Sophia para amigos e também olhares de outros artistas para ela. Tudo está disponível no link