Neste mês, celebramos o nascimento de uma das vozes poéticas femininas mais importantes da literatura brasileira: Cecília Meireles. A autora de Romanceiro da Inconfidência (1953) nasceu no dia 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro. Além de poeta, foi também ensaísta, cronista, folclorista, tradutora, professora, jornalista e pintora.
Órfã de pai e mãe com apenas três anos de idade, Cecília Meireles foi criada pela avó materna e, ao completar seus 18 anos, estreou na literatura com o livro Espectros (1919), que continha 17 sonetos de temas históricos. Participou do grupo literário da revista Festa, grupo católico, conservador e anti-modernista - isso em plena Semana de Arte Moderna em 1922 - formado por Tasso da Silveira e Andrade Muricy. Dessa vinculação, herdou a tendência espiritualista que percorre seus trabalhos como no poema Mar Absoluto, em que a imagem do mar não é descrita em sua aparência, e sim a partir do arquétipo da criação, escolhido para diferenciar dois mundos: o do Absoluto e o do Relativo, o da Essência (espiritual) e o da Aparência (material).
Em 1924, publica Criança, Meu Amor, seu primeiro livro infantil, com crônicas em prosa poética para o ensino fundamental, onde a escritora traz elementos como o imaginário; o bom conselho; o humor e a fantasia. Ao todo, Cecília escreveu três livros para os pequenos e foi considerada a responsável pela maturidade da poesia infantojuvenil. Em 1934, organizou a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro. Em 1939 publica Viagem, livro que lhe rendeu sua primeira honraria literária, o Prêmio Olavo Bilac de Poesia, da Academia Brasileira de Letras. Com mais de 50 obras publicadas, Cecília Meireles é considerada a primeira voz feminina de grande expressão na literatura brasileira.
A maioria de suas obras expressa estados de ânimo, predominando os sentimentos de perda amorosa e solidão. Uma das marcas do lirismo de Cecília Meireles é a musicalidade de seus versos. Alguns de seus poemas foram musicados pelo cantor cearense Fagner e, notadamente, conhecidos através das músicas Canteiros e Motivo. Diferentemente do que muitos pensam, Canteiros não é o título de um poema de Cecília Meireles e sim o nome da canção de Fagner gravada em seu disco de estreia, em 1973. A música é, na verdade, inspirada no poema Marcha da escritora carioca. À época, o álbum de Fagner não fez tanto sucesso e a canção passou quase despercebida. Mas, com a chegada do LP Revelação, de 1978, Canteiros foi redescoberta e as filhas da poetisa moveram uma ação judicial contra o cantor que só terminaria, em 1999, após um acordo da gravadora Sony Music com as herdeiras de Cecília Meireles, envolvendo a regravação da música, no primeiro álbum ao vivo de Fagner, que viria a ser lançado no ano seguinte.
Cecília Meireles faleceu há exatos 55 anos, no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964. E se diante do retrato decante destes dias em que não reconhecemos nosso "rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo", mais uma razão de nos voltarmos ao seus poemas para que, assim, a poesia nos salve do desencanto! Como bem nos alerta Cecília: "A vida só é possível reinventada". Portanto, que as artes, em todas as suas linguagens, nos reinventem, sobretudo, neste novembro em que também celebramos o Dia Nacional da Cultura. Antes que se finde este 2019 levando consigo a "memória sobre a qual nosso amor saudoso adeja", é preciso que elas, as artes, sejam o nosso escudo.
Lílian Martins é jornalista, pesquisadora e militante em Literatura Cearense.
Marcha
Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
Dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
Já me dá contentamento
Gosto da minha palavra pelo sabor que me deste
Mesmo quando é linda, amarga
Como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo que tenho
Entre o sol e o vento.
Meu vestido, minha música,
Meu sonho, meu alimento.