Apesar do muito que se escreveu e falou sobre Raul Seixas, ainda é difícil definir quem foi o roqueiro baiano que deixou uma obra adorada por legiões de seguidores 30 anos depois de sua morte. O compositor de Gita e Ouro de Tolo é muito daquilo que ficou nas suas letras. Talentoso, performático, dono de uma verve crua, filosófica, transcendente. Pai e marido saudoso. Alcoólatra, inconformado, transgressor e satanista.
Muitos caminhos levam a Raul Seixas ao mesmo tempo em que nenhum o define. Não Diga Que a Canção Está Perdida (Todavia), biografia escrita por Jotabê Medeiros, vai ao encontro de muitas dessas faces do "maluco beleza". O livro será lançado amanhã, às 17 horas, com a presença do autor, seguido do Raulzito Cover, show do músico paranaense João Elias da Silva. Medeiros é também autor de Apenas Um Rapaz latino-Americano (2017), sobre Belchior. A seguir, o jornalista e crítico musical conta detalhes da pesquisa que levou à biografia de Raul e as discussões que o livro já levantou. Confira.
O POVO - Raul Seixas é um caso raro de culto a um roqueiro brasileiro. Só encontro algum paralelo com Renato Russo. A que você credita essa permanência da obra de Raul?
Jotabê Medeiros - Acredito que Raul encarnou um personagem raro, que conseguia dizer "não" ao establishment e usufruir dele ao mesmo tempo, que preservava as características de rebeldia e deboche enquanto tratava, ao mesmo tempo, de questões cruciais da sociedade brasileira. Isso garante sua permanência para além do nosso tempo.
O POVO - Uma história que já levantou polêmica sobre seu livro é que Raul teria entregado Paulo Coelho aos militares durante a ditadura. Para você, o que esse episódio revela sobre o biografado?
Jotabê - Creio que o episódio revela mais sobre a época em que eles viviam do que sobre eles mesmos. Raul e Paulo Coelho foram acossados pela ditadura, em 1974, por causa de um simples folheto, o gibi que acompanhava o disco Krig-ha, bandolo!. Esse encarte é inofensivo, não incita a nenhuma rebelião, é uma peça gráfica e pop. A ignorância de um regime contra artistas os empurrou para um tipo de armadilha, de confrontação, de suspeição. Remontei os fatos, mas não sou conclusivo em relação a isso porque é impossível: os documentos que encontrei no Arquivo Público do Rio de Janeiro não permitem assegurar nada. Entretanto, são ricos em detalhes de como a repressão procedia.
O POVO - Sobre esse assunto, Paulo Coelho primeiro celebrou a revelação, depois criticou e disse que seria "apenas para vender". Como você tem recebido a repercussão desse episódio?
Jotabê - Era algo que eu já pressentia, é um terreno muito cheio de suscetibilidades. Há outros pontos que as pessoas podem achar controversos no livro, mas o fato é que não é um livro que tenha apelo de "vendável", como disse o Paulo. É complexo, aprofundado, analítico. Só posso dizer que o escritor está errado a esse respeito. Quanto ao recuo dele, também acho natural: Raul é um mito, qualquer dúvida que seja levantada sobre sua personalidade será questionada - no caso, de forma muito estridente.
O POVO - Outro tema que tem levantado discussão é sobre Raul ser homofóbico. Ele era homofóbico?
Jotabê - O livro também não afirma isso peremptoriamente. Raul era um homem contraditório, às vezes era homofóbico e misógino, mas sua prática era o oposto disso. Ele trouxe Edy Star da Bahia para lançá-lo como artista solo, e Edy é um dos primeiros gays assumidos da MPB, além de artista notadamente glam. E não conheço outro caso de um artista homem que tenha aberto tanto sua obra para a participação das companheiras (Edith Wisner, Gloria Vaquer, Kika Seixas) como Raul. Era um paradoxo ambulante.
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Lançamento da biografia de Raul Seixas
Quando: amanhã, 24, às 17 horas
Onde: Cantinho do Frango (rua Torres Câmara, 71 - Aldeota)
Preço do livro: R$ 69,90
Entrada gratuita
Outras Inf.: 3224 6112