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O Irlandês, de Martin Scorsese, propõe reflexão sobre fase final da vida
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O Irlandês, de Martin Scorsese, propõe reflexão sobre fase final da vida

O filme é a estreia da parceria entre Netflix e Martin Scorsese. Para começar: máfia, uma longa história e uma forte reflexão sobre a fase final da vida
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Além de Robert de Niro, o filme conta com Al Pacino, Joe Pesci e outros (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Além de Robert de Niro, o filme conta com Al Pacino, Joe Pesci e outros

Um homem de idade avançada cujo poder é inversamente proporcional à sua baixa estatura olha para outro e diz: "Essas coisas acontecem". A voz é pesada, cansada da vida, lenta. O homem que recebe essa mensagem é seu braço direito e guarda-costas, igualmente cansado, inclusive. Ele está sendo enviado para a missão mais complicada de todas que fez e sabemos, àquela altura da história, que o alvo não importa, ele vai cumpri-la. O peso da situação domina a tela e define muito bem O Irlandês.

Martin Scorsese, um dos maiores diretores da história do cinema, também está cansado e concebe O Irlandês sob essa condição. Dessa forma, mais do que justo montar a história de três homens direta ou indiretamente ligados à máfia em quase 3 horas e 30 minutos de duração. Temos que cansar acompanhando essa longa jornada, dona de narrativa intrigante sobre patriarcalismo, política, velhice e crime. A pergunta final talvez seja a mesma que Scorsese esteja se fazendo nesse momento de vida: do que valeu tudo se, ao final, só nos resta definhar?

A relação de Scorsese com o cinema é muito forte, muito ampla. Como também a do cinema para com ele. Em A Invenção de Hugo Cabret fica evidente a ode que Scorsese faz aos filmes, bem como ao ato de fazer cinema. Muito tempo antes, porém, entregava Taxi Driver, peça fundamental para o futuro sucesso dos filmes baseados em estudo de personagem. Lançou também os irrefutáveis Os Bons Companheiros, Touro Indomável e Cassino; dois destes responsáveis por, junto com O Poderoso Chefão de Coppola, massificar os filmes de máfia. Além de vários outros títulos cuja citação vazia não faz jus à existência dos mesmos. Assim como o diretor se relaciona com a arte, o personagem de Robert De Niro (Frank Sheeran) se relaciona com a máfia em O Irlandês. A máfia pode até existir sem Sheeran, mas dificilmente ele existiria sem ela.

Na idade e momento de carreira perfeitos para discutir esses pontos, Scorsese traz três atores também nessa fase de vida para debater o auge e o declínio da existência desses personagens. Por isso narrativa tão longa, tão densa, com textos quase intermináveis e um tempo de tela honesto para cada um dos três alvos de estudo.

De Niro compõe o personagem mais carismático, mas nem por isso bom. É dono de andar parametrizado, calmo - um pé, depois o outro - raramente anda rápido. Ele escolhe bem a arma com a qual irá matar alguém, mas ao mesmo tempo está longe do sórdido. Al Pacino vive Jimmy Hoffa, o reflexo puro de um homem estourado, o oposto do Frank Sheeran. Sua grande cena é quando tenta resolver uma desavença e piora tudo por conta do temperamento explosivo. Por fim, Joe Pesci, longe do cômico que faz bem, mais comedido, mais na dele e provavelmente o dono do texto mais forte. É dele a frase "essas coisas acontecem", que pode ser analisada a partir de três aspectos de interpretação: a boca do ator diz algo, os olhos dizem outra coisa e a postura destoa dos dois.

Os três são indissociáveis. Pensar o final sem conectá-los é jogar fora a principal proposta do roteiro. Scorsese busca sempre colocá-los ao centro do plano, mesmo quando a cena está cheia. Aqui é sobre pessoas, não é sobre cenário. Não é contexto. É sobre gente.

Ter escolhido trabalhar com o envelhecimento e o rejuvenescimento digital inclusive traz uma outra camada de discussão para além da obra em si. Ora, se o filme discute velhice em uma grande passagem de tempo, é uma honra termos o mesmo ator fazendo essa evolução da história do seu próprio personagem. Em vez de mudar o ator, temos então um panorama completo com os detalhes sendo definidos sempre pela mesma pessoa. Fora isso, é um cinema à moda antiga sendo feito com tecnologia do cinema moderno. É o novo ajudando velhas histórias serem realizadas.

PH Santos é membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine)

 

Algumas curiosidades sobre o filme:

Depois de 24 anos

Scorsese e Robert De Niro trabalharam juntos nove vezes, mas desde Cassino (1995) a dupla não era reeditada. Já com Al Pacino é a primeira vez dos dois, algo curioso, pois Pacino ficou famoso pelos filmes de máfia, como o icônico Poderoso Chefão. Cassino também era o último trabalho de Scorsese com Joe Pesci até O Irlandês. O diretor insistiu muito para o ator sair da aposentadoria.

 

Pintor de casas?

O filme é baseado no livro I Heard You Paint Houses (tradução: Escutei que você pinta casas), reeditado no Brasil com a chegada do filme e re-lançado como O Irlandês. Escrito por Charles Brandt, o livro tem esse título por conta do apelido dado ao personagem principal que, ao matar suas vítimas atirando na cabeça, o sangue espirra na parede como se fosse tinta. Scorsese referencia visualmente muitas vezes esse título em seu filme.

Conteúdo adicional

Junto com o filme a Netflix lançou o extra chamado Conversando sobre O Irlandês, que pode tranquilamente ser visto antes ou depois de assistir O Irlandês. Nele, o diretor Martin Scorsese conversa com os três principais atores do elenco sobre a produção e sobre a carreira de cada. Regados a whiskey e aparentemente em um dos cenários do filme, os amigos conversam de maneira muito descontraída e aumentam bastante o alcance da obra.

Quanta grana

Esse é o filme mais caro de Martin Scorsese; o orçamento foi de 175 milhões de dólares. Inicialmente o diretor teria US$ 125 milhões disponíveis, mas enquanto a produção foi avançando, o orçamento foi inchando. É também o maior filme em duração do diretor, 3 horas e 30 minutos, contra as 2 horas e 48 minutos de Gangues de Nova York.

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