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"História de um Casamento" traz retrato sincero das dores do término
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"História de um Casamento" traz retrato sincero das dores do término

História de um Casamento chega à Netflix depois de participar de vários prêmios e festivais. Some isso às presenças de Scarlett Johansson e Adam Driver
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Dirigido por Noah Baumbach, História de um casamento tem no elenco Adam Driver, Scarlett Johansson (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Dirigido por Noah Baumbach, História de um casamento tem no elenco Adam Driver, Scarlett Johansson

Casamento foi feito para dar errado. Duas pessoas com criações e vivências tão diferentes resolvem então dividir a coisa mais complicada da humanidade: a vida. Isso não pode dar certo. Por isso há beleza nos que tentam, alegria nos que conseguem e muita compreensão aos que desistem.

Não é fácil manter uma vida a dois, mas romper é pior ainda, algo que História de um Casamento demonstra muito bem. O novo trabalho de Noah Baumbach (Os Meyerowitz, 2017) apresenta todos os detalhes do fim do relacionamento, ou melhor, do casamento de Charlie e Nicole, feito a ferro e fogo mais pelos advogados do que por eles mesmos.

O filme começa com um texto lido por Charlie, vivido por Adam Driver cuja voz ecoa com charme e muita email certeza nas palavras ditas. Ele fala sobre Nicole (Scarlett Johansson), as características dela, seus pormenores. Depois é a vez de Nicole falar sobre os muitos predicados de Charlie, um deles o de não desistir facilmente, o que realmente define a jornada do personagem aqui. Ah, o amor! Mentira. Essa é a última vez que eles se elogiam. O casal está acabando e a história que enfrentamos é de dor, mas uma dor detalhadamente gostosa que não dá para fugir facilmente de vivenciá-la na pele do casal proposto.

O diretor, que aqui também assume o roteiro, separa o casal em cena, em texto e em vida. É tortuoso ver a vida dos dois e do filho Henry sendo orquestrada por uma disputa judicial levada quase às últimas consequências. Perceber que Charlie e Nicole se amam, mas, mesmo assim, ter a certeza de que eles não conseguem mais ficar juntos, concede ao filme um drama inédito ao se demonstrar real até demais. Torcemos, é comum, pelos protagonistas, que todos terminem bem. Naquele cenário, porém, o bem é relativo, o terminar mais ainda, e a dificuldade de saber pelo que torcer domina os sentimentos.

Enquanto o casal se esvai em disputas de ego, dinheiro e mais ego, o diretor escolhe colocar muito pouco os dois protagonistas dividindo o mesmo plano. Angústia é a definição do sentimento ao ver tanta troca de plano em uma mesma cena com dois atores de altíssima classe. Eles estão quebrados e por isso não temos a honra de presenciar o quão bom juntos eles são. O sentimento é de querer amassá-los em um plano apertado, colocá-los dentro da cabine de toca-discos do filme Antes do Amanhecer e então deixá-los sair dali só quando realmente se entenderem. Mas a vida não é assim e como Noah Baumbach quer que esse filme seja tão errado quanto os caminhos que a vida toma, decide jogar fora a etiqueta da montagem fluida e retalha tudo a fim de incomodar o espectador.

Uma discussão acalorada faz os dois estarem juntos em tela. Finalmente. Porém, cria-se um paradoxo, pois essa discussão - que coloca Adam Driver e Scarlett Johansson em um nível alto de atuação - serve mais para decretar que não tem como eles estarem mais juntos. A sequência onde os dois resolvem se acertar e então se desacertam para realmente se acertarem, resume a proposta do texto: nos detalhes eles se entendem, mas nas definições de relacionamento eles não se vêem mais. As frases certas viram ataques, os ataques viram insultos e os dois entram num vórtex de sofrimento e vergonha. Sair não parece uma opção e a cena acaba em um dos únicos fade outs do filme, como se o próprio diretor não soubesse sair dali.

Discute-se então a solidão e a satisfação. Em um número musical protagonizado por Adam Driver, o personagem Charlie grita seu desgosto. Enquanto isso, Nicole, cercada de família, amigos e amigos do filho, faz um musical alegre e contagiante. As cenas resolvem o que poderia ser um furo ao não mostrar como ficaram os dois em seus respectivos íntimos e sobressai aqui o pessimismo masculino que poderia mudar caso o gênero do responsável fosse outro. É sim um filme pessimista, e é mais ainda um pessimismo aplicado a Charlie.

Descobrimos, depois de tão lindo texto de entrada, que Charlie não é perfeito, tampouco Nicole, ou eu, ou você. Ao desconstruir o maniqueísmo em um término de relação, o roteiro de História de um Casamento atinge seu ponto mais alto. Destruir esse auge, depois, concede mais drama à história, mas com sabor de vitória, indiferente do que pensemos ser a vitória naquele caso.

 

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