Espadas em punho, olhar concentrado, joelhos flexionados. Numa explosão de cores, fitas acetinadas, saiotes, capacetes, capas e armaduras espelhadas, a luta encenada ganha vida — braços acima, golpes abaixo, uma dança sincronizada no tempo. Rei, rainha, princesas e os tão aguardados Mateus percorrem as ruas das cidades interioranas como o cortejo dos Reis Magos em sua caminhada a Belém. Em Juazeiro do Norte, Antônio Ferreira Evangelista é Mestre do Grupo de Reisado Discípulos do Mestre Pedro. Ao som de "Ô de casa/ Ô de fora", já cartografou o Cariri nas andanças batendo de porta em porta para convidar o povo ao folguedo.
"Comecei a brincar reisado com 8 a 9 anos de idade", começa Mestre Antônio. "O reisado já vem de sangue, de família. Meu pai brincou. Ele era de Aurora e foi Mestre do reisado, foi Mateus... E era chamado Joaquim do Padre porque também era sacristão", ri-se. "Pedro de Almeida, irmão da gente, colocou um grupo de Reisado em Juazeiro, era o Reisado de Mestre Pedro. Antes de falecer, ele pediu que a gente desse continuidade ao trabalho e criamos o Discípulos de Mestre Pedro. Mas, se você procurar em qualquer canto, não vai achar. É Reisado dos Irmãos. Quem deu o nome foi a comunidade".
Desde 1996, o Reisado dos Irmãos toma as ruas numa manifestação artística quase que sagrada, numa ancestralidade que narra histórias de essas e outras vidas. Entra o boi, sai o jaraguá, a brincadeira segue num fôlego só — parece feitiço, coisa feita. Aos 57 anos, é impossível separar a existência de Mestre Antônio da brincadeira do reisado. Eles se confundem, são um só. "O Reisado significa muita coisa pra mim. A gente não esquece a cultura. Onde a gente chegar, a gente tem que levar a cultura no coração. Nosso País, nosso mundo, nós todos somos uma cultura. Um povo sem cultura é um povo sem alma. A gente acredita na nossa parte da cultura, eu faço cultura esses anos todos e parte da minha vida é entregada à cultura. Eu tenho uma neta que é praticamente mestre e ela começou com dois anos de idade. Hoje é o rei com 16 anos. A cultura, pra mim, significa minha própria família mesmo, meus amigos. Onde eu chegar, eu carrego a cultura. Eu levo a cultura na alma", sorri Mestre Antônio.