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Lembra do Alpendre? Espaço na Praia de Iracema completaria 20 anos neste dezembro
Vida & Arte

Lembra do Alpendre? Espaço na Praia de Iracema completaria 20 anos neste dezembro

Mesmo fechado desde 2012, a produção cultural desenvolvida no Alpendre ainda reverbera pela Cidade. O V&A revisita hoje a história desse espaço, precursor de muitos núcleos de formação artística em Fortaleza
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Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção (Foto: Gabriel Gonçalves, em 11/6/2012)
Foto: Gabriel Gonçalves, em 11/6/2012 Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção

Casa de arte, pesquisa e produção, o Alpendre tornou-se bem maior do que as linguagens que abrigava no galpão de número 495 da já castigada rua José Avelino, na Praia de Iracema. Desde 2012 com suas portas oficialmente fechadas, o equipamento - inaugurado em dezembro de 1999 - ainda parece reverberar o que produziu pela Cidade ao longo dessas duas décadas. E de maneiras múltiplas e fortalecedoras, tal qual a proposta inicial de seus fundadores. Andréa Bardawil, coreógrafa e diretora da Cia. da Arte Andanças, foi um dos nomes que alinhavaram a trajetória do Alpendre ao lado de outros tantos, como Alexandre Veras, Carlos Augusto Lima, Beatriz Furtado e Manoel Ricardo de Lima.

"Quando a gente começou o Alpendre, não tínhamos ideia do que ele se tornaria. Acho que nem pra nós, nem pra Cidade", reconhece Andréa, que hoje o define dessa forma: "O Alpendre era esse espaço de 'entre', mas também de visita, como uma grande varanda aberta. Um lugar aonde as pessoas vinham, sentavam e tomavam café. Havia sempre alguém produzindo e você podia chegar, encostar e conversar. Artistas de diferentes linguagens se encontravam e criavam coisas juntos... Eu acho que essa, pra mim, é a marca mais forte que eu carrego até hoje pra todos os projetos de formação que eu me envolvo. Como é importante essa mistura!", destaca.

Dança, música, literatura, artes visuais... De tudo um pouco se fazia presente e potente no Alpendre, que chegou a receber diversos nomes nessas respectivas áreas para, além das visitas, promoverem oficinas, encontros, palestras, debates e rodas de conversa. "Vinha um artista visitante para intervir na galeria grande e eu chamava, concomitantemente, um aluno do meu grupo de estudo para fazer uma intervenção na antessala da biblioteca, lá em cima. Isso era muito interessante. Jovens artistas como Vítor César, Enrico Rocha, Waléria Américo... Muita gente passou por lá, e não só artistas, mas também ligados à história e à crítica de arte", detalha Eduardo Frota, artista que coordenou à época o Núcleo de Artes Visuais à convite de Alexandre Veras.

"Em vinte anos, que é uma data bastante significativa, muita coisa aconteceu e eu penso que o Alpendre teve um papel muito importante na formação, sobretudo, de três áreas: dança, artes visuais e audiovisual. Era um período que a gente tinha muito pouca coisa em funcionamento, mas é sobretudo o início que se dá também em paralelo com o Instituto/Centro Dragão do Mar e penso que teve uma relação importante na fundação daquele espaço ali da Praia de Iracema, que estava em processo de degradação grande", afirma Beatriz Furtado, professora da UFC e uma das idealizadoras do projeto.

Para ela, a relevância do Alpendre deu-se não só na formação de novos artistas, como de um circuito próprio das artes em Fortaleza. "Na dança, houve uma articulação bem bacana em relação à Bienal Internacional de Dança do Ceará e ao próprio Colégio Técnico de Dança. No audiovisual, foi super importante inclusive para a formação de cursos outros. A experiência do Alpendre foi um núcleo de formação para a Vila das Artes, enfim... Nós tínhamos poucas coisas institucionais, mas um grande número de pessoas que foram criando outras formas de produção e circulação, além do próprio pensamento sobre as artes", complementou.

Militante do movimento negro, produtor cultural e roteirista, Kiko Alves era morador do Poço da Draga quando chegou ao Alpendre um pouco depois de sua fundação. "Fiquei por toda a história ativa dele, fiz parte da gestão e de outros processos", contextualiza. "Na época, estudava na Rua dos Tabajaras e as atividades do (projeto) TV de Rua aconteciam lá; foi aí que eu conheci todo mundo pela primeira vez. O Alpendre foi muito marcante na minha vida - e não só na minha, como na turma daquele período. Para além do impacto na Cidade, ele teve um impacto muito grande nas nossas vidas, foi definidor mesmo. Nós nos tornamos pessoas muito diferentes a partir desse contato", credita.

"Eu acho que essa possibilidade de nunca saber quem você encontraria (no Alpendre) porque a porta estava aberta pra qualquer pessoa que chegasse, né... Então, de repente, você tinha um Pedro Juan Gutiérrez tomando um café, um Nelson Brissac chegando, um Hermano Vianna telefonando dizendo que queria conhecer o espaço... Então era uma extensão dessa ideia de habitação, para além de um núcleo só", avalia Andréa Bardawil. "Foi um período que articulamos tanto o Poço da Draga quanto o Serviluz como dois locais de muitas atividades nossas. Hoje, grande parte desses alunos atua no Dragão, em produtoras, nas televisões, na própria Caixa Cultural", celebra Beatriz.

Hoje, 20 anos depois, a ONG não existe mais. Porém, é no Benfica que um pequeno 'ninho' tem se desenhado aos poucos. "Alugamos um espaço, que até chamamos de 'casinha', mas não é um novo Alpendre, não. É outra coisa, muito pequenininha, que a gente faz atividades de vez em quando. É onde a gente se reúne pra pensar projetos e editais, comemorar coisas... Talvez seja um ninho que se transforme, mas nem sequer existe como pessoa jurídica. Um dia, quem sabe, seja uma livraria. Ou talvez seja uma produtora, mas é um lugar de fortalecimento. Embora exista um desânimo, é um momento de estarmos juntos porque a gente precisa continuar imaginando e não sentirmos enfraquecidos. E o Alpendre nos deu essa lição: é uma experiência que nos diz da necessidade de continuarmos", projeta Beatriz.

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