Na rua que leva nome de uma tribo indígena, o cenário se descortina sob vários vieses dentro de um mesmo bairro. Incrustada na Praia de Iracema, a famosa "praia dos amores" que tão bem versou o compositor Luiz Assunção (1902-1987), em alguns pontos ao longo do trajeto da Rua dos Tabajaras é possível constatar, com certa melancolia, que o mar - ou seria a famigerada especulação imobiliária? - "tenha carregado" um pouco de sua beleza.
Percebendo nativos e turistas, ainda poucos por conta do horário (por volta das 16 horas), o olhar afiado da fotógrafa perpassou, logo de início, por algumas casas de shows e estabelecimentos comerciais conhecidos: ao lado esquerdo (como quem vem do Poço da Draga em direção ao Aterro), Pirata Bar e Estoril, este que atualmente sedia a Secretaria Municipal do Turismo de Fortaleza (Setfor). Ao lado direito, se avizinham a Lupus Bier, Mambembe, Ritmo Urbano e JamRock. Entre esse dois últimos, uma residência.
"É a casa da minha vó! Ela mora aqui tem uns 70 anos...", tratou de me avisar o rapaz que abria o portão e logo entrou na residência de parede amarelada, grades brancas e arquitetura antiga, porém muito bem conservada. Na esquina, onde antes ficava uma pizzaria conhecida por quem transita pela área, tijolos nas paredes evidenciam um abandono que não orna com o colorido dos grandes painéis em tinta e grafite.
Mais à frente, à esquerda, o Largo dos Tremembés também insiste em abrigar uma placa de "vende-se" em um restaurante e, no calçadão, a novidade é o tapume no antigo Sobre o Mar d'Iracema que, futuramente, dará espaço a um estabelecimento - não se sabe ainda de quê! Na minha contagem, por volta de cinco residências se fixam na colorida Tabajaras. "Aqui os aluguéis são muito altos!", não titubeia em dizer seu Eduardo Antônio, que mantém um dos estacionamentos. E quanto é que o senhor paga?, insisto. "Não digo pra ninguém... Nem pra mamãe!".
Morando no local do trabalho - "moro não, me escondo!" - seu Eduardo, que cresceu na periferia da Cidade, foi um dos que resistiu às novas mudanças. "Eu acho que eu sou um dos sobreviventes dessa fase que era pra ter ido embora. É porque eu sou teimoso, gosto de brigar e nunca gosto de desistir de uma coisa! Mesmo ganhando pouco, tô aqui. Enquanto me aceitarem, né... E depois que veio esse plano novo do Governo, meninaaa...! O único comércio que eu vejo movimento por aqui é o da confecção", avalia.
Apesar de tudo, seu Eduardo - "tô beirando os 60 anos" - demonstra que o prazer de estar ali não tem preço. "É o que eu digo pras pessoas: aqui é muita violência, muito tumulto, mas eu adoro esse local! Acordar e ver o mar, essa brisa batendo no seu rosto... Sei lá, pra mim é tão gostoso! Eu sei o que é periferia, morei lá e sei como é: é confusão, é 'chêi' de cachorro na rua, é gato, é bacurim, é aquele pessoal brigando... Eu não tenho mais paciência, não". E nos dias de movimento na Tabajaras? "É gente chique, aquele perfume bom, você fica com aquela motivação, sabe? A motivação, pra mim, é só essa porque ganhar dinheiro mesmo...".
Passos à frente, dividindo a rua com alguns hotéis e pequenas pousadas, outros locais vão se ampliando aos nossos olhos. Assim, temos a Oh My Pizza!, a Ethos, o Rogério Cabeleireiros e, para aqueles degustes aliados às festinhas também, mais dois points que atraem, sobretudo, os mais novos: Mar de Rosas e Café Couture. Ambos unindo gastronomia e atrações musicais, o funcionamento frenético foi, certamente, uma das causas que impulsionou a revitalização na área. Proprietária do Mar de Rosas, a publicitária Manu do Vale faz do afeto um estímulo para esse novo momento.
"Participar desse movimento, pra mim, é pura emoção. É muita satisfação ver a rua movimentada, iluminada e limpa. Acredito e desejo que seja apenas o começo de uma grande e farta colheita. Na minha opinião, ainda há muito pra ser melhorado, onde considero a recuperação e reabertura da Ponte dos Ingleses uma das ações mais importantes e necessárias", destaca. Roger Wagnart, à frente do Gastrô, corrobora da opinião de Manu. "Realmente a Praia de Iracema, hoje, é uma nova praia. É um novo bairro", celebra.
Instalado na Rua dos Tabajaras na mesma época do Café Couture, "quando tinha aqui só eu, a Silvânia (de Deus, que possui um ateliê) e UPilates", Roger detalha algumas mudanças de três anos para cá. "Hoje a gente conseguiu, com a iniciativa privada, movimentar a economia criativa, que é essa durante o dia: os cafés, as roupas... Têm casas lindas aqui, você já viu? Acho que isso fez uma grande diferença também porque, diferentemente do que era antes, a gente consegue ver uma movimentação dos próprios moradores do bairro. Isso não acontecia! Tinha gente que eu pensava que nem morava mais aqui, pra você ter uma ideia", reconhece.
Passeio quase encerrado, já nas proximidades da Igreja de São Pedro, as paredes azul-piscina de três casas chamam a atenção na esquina da rua Historiador Guarino Alves. "Viemos pra cá em julho. Meu ponto antes era na Antônio Sales, num escritório, tipo um showroom. Mas eu queria um local que as pessoas associassem à marca, à praia... Aí quando veio esse lugar, eu fiquei louca! (risos) O fator mais importante de ter vindo pra cá foi justamente esse: estar perto da praia. Tem muito morador, mas as pessoas são carentes de serviço", constata Thiara Farias, à frente da Flor do Brasil Beach Wear (moda praia).
"Todo mundo que eu converso aqui das antigas, eles dizem que já teve várias fases de revitalização e morte (da Praia de Iracema). Espero que essa seja uma que dure por muito tempo", conclui ela que, juntamente com a Negro Piche, promove um evento batizado de Zuada na Casa Azul. "Só não estamos fazendo agora por conta dos eventos que já estão tendo na área, como o Férias na PI. Então vamos deixar passar pra voltarmos a fazer", explica. Na saída da loja, Tizio, de boné, observava atento a tudo, sentado com seu colete fluorescente. Há quatro anos "pastorador de carros", como gosta de ser chamado, ele é cria das áreas.
"Nasci e me criei aqui, sou da Comunidade do Baixa-Pau. Depois que meu pai foi pro interior, eu fiquei no lugar dele", explica Tizio, casado e pai de uma filhinha. "Quando os outros têm férias, aí é que a gente trabalha!". Dá pra tirar uma graninha? "Tem vezes que dá, tem vez que não. Mas quando não dá, a gente desenrola porque Deus dá um jeitinho". E tu gosta daqui? "Eu amo o meu trabalho. Pra mim é sossegado porque esse aqui foi o trabalho que Deus me deu. Quando eu mais tava precisando, Deus me deu esse trabalho. E tem muita gente que confia em mim, de boa mesmo".