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Saia neles: mais do que uma escolha
Vida & Arte

Saia neles: mais do que uma escolha

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Davi vida e arte terça (Foto: FOTOMONTAGEM: Robson Pires)
Foto: FOTOMONTAGEM: Robson Pires Davi vida e arte terça

Há séculos, moda e costume andam lado a lado. De repente, no entanto, tudo pode cair por terra, ou, aproveitando-se o trocadilho, por saia. O que antes era visto como vestimenta de comum gênero, pegou carona no curso da história e foi se modificando. O sarong, por exemplo, saiote usado por ambos os sexos, é até hoje comum na Indonésia e Somália. O kilt, idem, tradição na Escócia. Mas nem todos os caminhos foram estes.

Se voltarmos à Antiga Roma, adivinha o que os gladiadores, em plena expressão de força e virilidade, usavam por baixo de suas armaduras? Saias ou roupas bifurcadas, caso o primeiro termo tenha soado mais feminino. Na verdade, nem se importavam, pois era o modelo na época. Além da toga, um grande pedaço de tecido amarrado ao corpo e a túnica, até hoje segue difundida na região do Oriente Médio. Quantas origens, não?! E olha que ainda há muitas outras.

Dando um pause no pensamento - iluminista, no final do século XVIII - que, sem querer mais do que querendo, contribuiu para distanciar o sexo masculino do uso de saia no intuito de encaixar a figura masculina como homem de negócios, eis que, na década de 1950, especificamente, ocorre o contrário. O salto no tempo nos direciona a dois mundos, totalmente opostos, como anunciado.

Paralelo ao New Look rodado de Dior, destacando, antes de tudo, a feminilidade e os excessos pós-guerra, com metros e metros de tecido para uma única saia, de preferência hiper cinturada, um multiartista, "filho" do modernismo brasileiro, chamado Flávio de Carvalho (1899-1973), encarava a sério sua criação, Experimento Nº3, desfilada livremente pelas ruas de São Paulo. Vestindo saia para um trabalho formal, que deveria ser de terno, claro que provocou, além de "choque" visual, nova discussão sobre o uso ou não da saia por homens.

Ao decorrer dos próximos anos, principalmente os 1960 e 1970, o assunto "deu pano para perna", imprimindo mais um trocadilho. Enquanto a peça era opção entre os sexos, libertava-os dos grilhões do aprisionamento ("duramente sexista"). Quem disse que saia é só de mulher? No Festival de Woodstock (1969), não tinha isso não.

De David Bowie (1947-2016) a Caetano Veloso, no Brasil, que, no início dos anos 1990, chegou a causar polêmica vestindo saia no palco (e olha que já era anos 1990), passando por Jaden Smith, 21, que admitiu criar suas próprias saias, e Marc Jacobs, estilista da marca de nome homônimo, que a usa, até aparentemente feminina, numa boa, o "modelo" diz: "saia!", literalmente falando.

É que mais do que um desenho da moda, a saia, se analisar até aqui, não é mais uma saia, mas uma ideia. Sua materialização vai além do vestir. Deixa de ser tátil para acompanhar um tempo cada vez mais híbrido, de gêneros igualmente livres, e experimentais.

Contraditoriamente, mais uma vez, o tabu volta à tona, mesmo, e, principalmente agora, em uma virada de século, quando a ideia da fluidez parece fazer mais sentido, pelo menos para Félix, 27, futuro fashion designer. Apenas Félix, como quer ser identificado, nasceu no sexo masculino. Suas concepções sobre o vestir, porém, são particulares.

"Passei a usar saia pela praticidade que ela oferece na mobilidade e por ser uma peça que oferece muito mais liberdade de movimento do que a calça - da qual eu era muito adepto também. No início eu usava um modelo pregueado de malha preta, bem punk-rock, mas fui ganhando outros modelos com mais diversidade de modelagens e a peça atingiu um status de 'statement', usar saia acabou se tornando uma militância no cotidiano - as roupas não tem gênero, nós que atribuímos juízo de valores a elas", ajuda a entender.

No Ceará, como no Rio, que tem a Galo Solto fazendo sucesso, dos sócios Orlando Caldeiras e Drayson Menezzes, o uso de saia para homens é, ainda, pontual. "Os modelos existem e estão lá, o que impede o incentivo ao consumo e fabricação de novas opções são os valores sociais e culturais que os consumidores estão inseridos", rebate Félix, adepto da vestimenta desde 2014.

A peça é tão emblemática quanto a sua variedade de modelos, de couro, no palco com o rapper Kanye West; so style para Harry Styles. A ordem não altera o cenário, que é de novas políticas, de corpo e estilo. Mario Queiroz, da história do street wear masculino no Brasil, que o diga. Ajudou com as saias, oferecendo mais: perspectiva para um homem em "devir". Quem reflete é Célio Medeiros, 23, da nova geração de estilistas cearenses.

"Hoje para mim, a saia tem mais a ver com a estética do look que pretendo usar, e não um significado de desconstrução de tabus. Num tempo atrás, isso sim foi uma consideração, mas não mais hoje. Eu acho que é muito do costume e da liberdade que pessoas do gênero se sentem", avalia. Com relação ao mercado, segue a ideia: "creio que o viés seja continuar ou ampliar a oferta, e aos designers, competência ao lidar com essa oferta, no caso, entendendo o gosto e as expectativas desse público que busca".

 

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