Logo O POVO+
Presença feminina no cinema cresce, mas ainda há o que conquistar
Vida & Arte

Presença feminina no cinema cresce, mas ainda há o que conquistar

Mesmo com Mulher Maravilha 1984, Mulan, Viúva Negra e outros filmes previstos em 2020, a presença das mulheres como protagonistas e em cargos por trás das câmeras ainda é desafio no cinema
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Mulan volta aos cinemas, agora em live-action dirigido por Niki Caro (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Mulan volta aos cinemas, agora em live-action dirigido por Niki Caro

De super-heroínas a grandes vilãs, de lendas chinesas a caçadoras de sonhos, de atrizes a roteiristas e diretoras reconhecidas. O ano de 2020 marca uma relevante mudança na ordem cinematográfica padrão, com um aumento significativo da visibilidade de filmes blockbusters e de grandes orçamento estrelados, roteirizados, produzidos e dirigidos por mulheres.

Entre Mulher Maravilha 1984 (sequência da aventura da super-heroína; dirigida por Patty Jenkins), Mulan (personagem da Disney baseada em uma lenda chinesa de uma guerreira que salva o Império chinês; dirigido por Niki Caro) e Adoráveis Mulheres (sobre irmãs que buscam seus sonhos, entre eles, a independência; dirigido por Greta Gerwig), as assinaturas e rostos femininos marcarão presença nas salas de cinema do Brasil com participações de peso que passam de somente uma fala ou uma aparição.

No universo dos quadrinhos, então, a evolução é evidente. A Mulher Maravilha só foi ganhar seu primeiro longa em 2017, enquanto seus companheiros Super Homem e Batman já exibem um portfólio de dezenas de produções individuais. A Viúva Negra, segunda vingadora a ganhar um filme solo, após Capitã Marvel (2019), teve de esperar 12 anos e 23 produções cinematográficas do universo expandido para conseguir um espaço para chamar de só seu. O longa está previsto para abril e será dirigido por Cate Shortland.

Arlequina conquista mais uma oportunidade para recuperar o protagonismo em Aves de Rapina, visto que a personagem permanece sob as sombras do Coringa de Jared Leto, mesmo quando o palhaço não está presente (sim, estamos falando de Esquadrão Suicida, de 2015). Já a produção Os Eternos, a direção é confiada às mãos de Chloé Zhao, que apesar de relativamente nova no ramo, já criou fama por outros longas bem sucedidos. Caso do longa "Domando o Destino" (2017).

Segundo pesquisa do Centro de Estudos da Mulheres na Televisão e no Cinema (Center for the Study of Women in Television and Film), da Universidade de San Diego, 40% dos protagonistas de 2019 das 100 maiores bilheterias foram mulheres, crescimento considerado histórico para os 31% de 2018.

Entretanto, as mulheres ocupam somente um terço das falas de personagem. Quando a análise é sobre as idades, a "data de validade" é diferente. Grande maioria das personagens femininas estão entre 20 e 30 anos, enquanto os masculinos são representados entre seus 30 a 40 anos.

O resultado é também alarmante quando o assunto é "por trás das câmeras", o que inclui diretoras, roteiristas, produtoras e editoras. A conclusão é que as mulheres representam somente 20% do trabalho desses postos, crescimento tímido em relação à 16%, porcentagem de 2015. Quando a categoria é limitada para os cargos de direção, as mulheres ocupam somente 12% do total.

Os blockbusters protagonizados por mulheres e baseado em quadrinhos são de grande importância, de acordo com a jornalista Luísa Pécora, criadora do site "Mulher no Cinema". Para ela, filmes com tais temáticas e altos orçamentos dirigidos e protagonizados por mulheres abrem espaço para novas oportunidades. "Isso é bastante significativo considerando que historicamente as mulheres foram excluídas de projetos como estes: com orçamentos muito caros, lançados por grandes estúdios, ligados aos quadrinhos, com cenas de ação e muitos efeitos visuais. Hollywood ainda duvida do potencial das mulheres, tanto as que estão em frente e por trás das câmeras quanto as que estão na plateia", ressalta a jornalista, que há cinco anos escreve para o site.

Quando o assunto é igualdade de gênero em geral, Luísa afirma que abordar a temática no cinema é uma forma de questionar a igualdade da sociedade no geral. "O impacto do entretenimento, da mídia e das imagens é muito grande: elas atuam na construção do imaginário coletivo, podem reforçar estereótipos e construções sociais ou ajudar a questioná-los. Finalmente, diria que um audiovisual mais inclusivo e diverso - não apenas na questão de gênero, mas também de raça, de classe, de território - é um audiovisual mais forte", analisa, garantindo que os filmes feito por mulheres devem ser avaliados da mesma forma que os dirigido por homens.

A dúvida que permanece para a pesquisadora é se, com novas personagens, novas diretoras e novos cargos cada vez mais ocupados pelas mulheres, haverá mudança de fato na indústria cinematográfica. A ideia é comprar o ingresso, assistir aos filmes, garantir o sucesso, que, como observa Luísa, importa mais para mulheres do que para homens.

"Se um filme de super-herói protagonizado e dirigido por um homem fica aquém do esperado, seja em crítica ou faturamento, não há muito a se temer: o próximo vai estrear dali alguns meses e muitos outros continuarão em produção. No caso dos filmes dirigidos e protagonizados por mulheres, fica sempre aquele temor de que um eventual desempenho mediano seja usado como desculpa para não contratar outras diretoras, não dar sinal verde a outras produções similares", desenvolve, ressaltando que, apesar dos avanços de 2020, ainda há muito o que mudar.

Mas apesar dessa perspectiva, a tendência é o crescimento. O ano de 2020 ainda é ano de refletir sobre o cinema e a mulher, mas a década e as conquistas continuam. A Capitã Marvel e a Mulher Maravilha devem ganhar novos filmes em 2021. Greta Gerwig continuará abordando a temática que ela quiser. Três Verões, de Sandra Kogut, entrará em cartaz na Mostra Retroexpectativa do Cinema do Dragão em janeiro. E a Fernanda Montenegro completa 91 anos em 2020.

Principais estreias

A maioria dos grandes filmes dirigidos por mulheres em 2020 será pertencente aos universos da Marvel e da DC. No entanto, as diretoras também assinam longas de outros gêneros. Confira abaixo lista de algumas das principais estreias do ano e a previsão das datas

Adoráveis Mulheres - em cartaz

Dirigido por Greta Gerwig, o filme estreou em 9 de janeiro e é um dos únicos dirigidos por uma mulher a figurarem no Oscar. A obra é mais uma adaptação cinematográfica do clássico livro "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott

Aves de Rapina - estreia em 6 de fevereiro

Levando a personagem Arlequina ao protagonismo, o filme tem direção assinada pela jovem cineasta chino-americana Cathy Yan e roteiro escrito por Christina Hodson. A atriz Margot Robbie volta ao papel da personagem

Mulan - estreia em 26 de março

Da diretora Niki Caro, responsável por filmes como A Encantadora de Baleias e O Zoológico de Varsóvia, a versão live-action da já clássica animação da Disney segue a jornada de uma jovem destemida até virar uma grande guerreira chinesa

Viúva Negra - estreia em 30 de abril

Anos depois de surgir como coadjuvante, a personagem de Scarlett Johansson toma o protagonismo no primeiro filme da Marvel dominado por mulheres. A australiana Cate Shortland, que já passou por eventos como os festivais de Cannes e Sundance, assina o filme 

Mulher Maravilha 1984 - estreia em 5 de junho

Pioneiro no protagonismo feminino no universo de adaptações de histórias em quadrinhos, Mulher-Maravilha ganha continuação ainda comandada pela diretora Patty Jenkins. O filme é um dos mais aguardados da lista

Os Eternos - estreia em 5 de novembro

A saga dos Eternos, raça imortal que viveram na Terra, é adaptada para os cinemas sob direção da chinesa Chloé Zhao, nome que teve visibilidade em 2018 no circuito dos festivais após o longa Domando o Destino. No elenco, o nome que se destaca é o de Angelina Jolie

Premiação pra quem?

Em 2010, a diretora Kathryn Bigelow fez história quando ganhou o Oscar por sua direção no filme Guerra ao Terror, sendo a primeira mulher a conquistar a estatueta na categoria. Depois desse prêmio, uma mulher só foi concorrer novamente em direção em 2018, quando Greta Gerwig surgiu com o cativante Lady Bird. Este hiato de oito anos não significa, claro, que mulheres de repente pararam de se posicionar atrás das câmeras. Ava DuVernay fez um trabalho significativo em Selma, de 2014. Sofia Coppola trouxe algo completamente novo em O estranho que nós amamos, de 2017. Você Nunca Esteve Realmente Aqui, de Lynne Ramsay, não foi nem notado pela Academia, em 2018, apesar da boa classificação do Festival de Cannes.

As indicações do Oscar 2020 saíram ontem e Petra Costa marca presença em documentário, com o brasileiro Democracia em vertigem. Nas categorias técnicas, a presença feminina segue tímida. Thelma Schoonmaker concorre em Melhor Montagem em O Irlandês, Hildur Guðnadóttir por trilha sonora de Coringa… Uma mulher aqui e outra acolá, como se colocadas por alguma cota.

Mas quanto à direção, como quase de costume, a categoria de não contemplou nenhuma mulher. E talvez mais do que nunca, a lista poderia ser só delas, dessa vez. Melina Matsoukas mostrou potencial em Queen & Slim. Lulu Wang está brilhando com A Despedida. Céline Sciamma dirigiu o francês Retrato de uma jovem em chamas. Marielle Heller, de Um lindo dia na vizinhança, já não é novata no ramo, sendo destaque desde Poderia me perdoar?. E não vou nem mencionar Greta Gerwig, que se superou com Adoráveis Mulheres.

A lista segue. As mulheres estão, mais do que nunca, atrás das câmeras, dirigindo, produzindo e roteirizando filmes independentes e blockbusters. O século é XXI e são 92 edições dos Oscars repetindo o erro de ignorar a parcela feminina da população (isso porque não estou nem falando de mulheres negras).

Mas enfim, a Academia continua e, cada vez mais, as mulheres estão crescendo no ramo. Elas continuarão fazendo ótimos filmes, ganhando reconhecimento e tomando cada vez mais seus espaços de direito. E, pelo bem da Academia, é melhor que ela perceba logo isso, porque já tivemos o movimento #MeToo, tivemos #OscarSoWhite. Chegou a hora dessa premiação (e outras) se reavaliar. (Natália Coelho/ Especial para O POVO)

Leia mais na página 8

"De volta para o futuro" (1985)

Filmes que reprovaram no Teste de Bechdel

Blade Runner (1982)

Sociedade dos Poetas Mortos (1989)

A saga Senhor dos Anéis (2001-2003)

Poster do filme Estrelas Além do tempo
Poster do filme Estrelas Além do tempo

Filmes que passam no teste de Bechdel

Pequena Miss Sunshine (2006)

Cisne Negro (2010)

Blue Jasmine (2013)

Teste de Bechdel

O Teste de Bechdel é um medidor que questiona a participação de personagens do gênero feminino em filmes. Dividido em três fases, ele avalia se a obra possui: 1. pelo menos duas personagens femininas com nome; 2. se elas conversam entre si; e 3. se o assunto não é sobre algum homem ou assunto relacionado a um personagem masculino. Originado de uma tira da cartunista Alison Bechdel, o teste reprova inclusive clássicos, como De Volta para o futuro (1985), O Poderoso Chefão (1972) e Os Vingadores (2012). No geral, as produções que são aprovadas com êxito são longas que abordam a igualdade de gênero, como O Sorriso de Mona Lisa (2003), Histórias Cruzadas (2011) e Estrelas Além do Tempo (2016).

 

O que você achou desse conteúdo?