Filme cearense "Canto dos Ossos" mistura o real e o horror em trama fantástica
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Filme cearense "Canto dos Ossos" mistura o real e o horror em trama fantástica
Em competição no evento mineiro, longa Canto dos Ossos, de Jorge Polo e Petrus de Bairros, aposta em experimentações visuais e narrativas a partir de referências do gênero
Filme cearense de terror construído coletivamente durante o próprio processo, "Canto dos Ossos" segue as trajetórias de Diego e Naiana (Maricota e Rosalina Tamiza), monstras que se encontram e desencontram ao longo de décadas. De Jorge Polo e Petrus de Bairros, o filme experimenta atmosferas, performatividades e sentimentos a partir de referências múltiplas.
"Ele surgiu pela ideia de 'vamos fazer um filme de terror'. Fomos trabalhando a partir das pessoas que estavam próximas e começamos a criar histórias. A forma que a gente foi criando as condições de produção se mistura muito com a história, foi tudo junto", explica Petrus. Maricota, por exemplo, nasceu em Canindé, onde parte da história se passa, enquanto Rosalina, natural de Fortaleza, vive no Rio de Janeiro - fatos que se espalham na trama. Em termos gerais, o filme apresenta a intensa amizade entre Diego e Naiana, criaturas vampiras que se separam quando uma parte para trabalhar em uma cidade litorânea. Lá, um hotel guarda segredos que impactam a vida da dupla.
A abertura para a vida e as circunstâncias de "Canto dos Ossos" também se refletem em outros exemplos. As filmagens aconteceram nas três cidades, ao longo de dois anos. "(Em um dos períodos de gravações) em Búzios, tiveram quatro equipes de fotografia diferentes, muito em função da disponibilidade. Com cada pessoa que chegava a gente conversava, mas não tinha tempo de bolar uma coisa específica. Ia em função do roteiro e da produção, no sentido de encontrar as potências de cada um e deixar as pessoas à vontade pra pensaremjunto", contextualiza Jorge. É como define a atriz Noá Bonoba, personagem e narradora da obra: "O processo fílmico ia acolhendo a entrada das pessoas, se abria para receber cada presença com o que ela tinha pra colocar ali". "Não era o lugar da atriz apenas executora, mas também uma atriz que cria, é autônoma", ressalta. "É importante também falar do meu lugar de atriz travesti. Quando você se coloca no lugar de garantir a permanência de uma pessoa trans ou travesti na equipe, também é garantir que exista uma estruturasegura e de proteção", avança Noá.
A narração mistura trechos de um texto de autoria da atriz com referências distintas, que vão de citações do filme "O Abismo" (1977), de Rogério Sganzerla, ao livro de terror "Raça da Noite", de Clive Barker. "Alguns sentimentos ficaram mais fortes com narração. Ela ajuda a costurar narrativamente, mas também expande sentimentos que estão nas imagens, fazem circular de outra maneira", aponta Petrus.
Em forma e conteúdo, a obra procura dar conta de liberdades e dissidências, abrindo-se para relações mais gerais com o real a partir de artifícios e experimentações do terror. Além das protagonistas monstras, há monstruosidades também no hotel. O empreendimento, de dada forma, funciona como símbolo do apego ao hegemônico e ao conservadorismo, contrapondo-se com as formas livres de ser e agir das criaturas vampiras. "A gente pensava em colocar coisas que fizessem as monstras terem uma experimentação do corpo e de um modo de vida, enquanto o hotel tivesse uma carga de vilania, medo, que tal hora ficasse até risível", afirma Jorge. "É um processo que tem uma coisa intuitiva", dialoga Petrus. O longa cearense ainda se relaciona com o gênero pela base da subversão de características. "É interessante observar como é geralmente a presença de corpos dissidentes no cinema de horror. Esse filme aponta para outro lugar", indica Noá.
A presença forte do Ceará em Tiradentes também estimula reflexões que se ligam à obra. "Quem acessa esses festivais, quem circula, que pessoas fazem as produções? A gente tem que redistribuir esses acessos. Percebo um movimento crescente na nossa produção, mas a gente tem que trabalhar mais a fundo pra possibilitar que isso aconteça cada vez mais. Olhar para a produção da Vila das Artes, do Centro Cultural Bom Jardim, e vê-las como frutos de uma batalha de redistribuição desses lugares de domínio. Não apenas como um movimento que surge e dispersa, uma tendência, mas garantindo a permanência e a perpetuação dessas trajetórias. Isso passa por acesso aos festivais, políticas públicas, curadoria, formação", defende Noá.
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