Rosemberg Cariry lança "Escravos de Jó" em Tiradentes
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Em Os Escravos de Jó, uma história de amor entre dois jovens vivida na cidade de Ouro Preto funciona como motor para o cineasta cearense Rosemberg Cariry aprofundar reflexões caras à sua obra pregressa - passado, presente, política, contemporaneidade, dor, tudo se entrecruza na primeira ficção do diretor gravada fora do Ceará. O filme ganha estreia especial na noite de hoje, abrindo a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
A história se desdobra a partir do encontro entre dois jovens, Samuel (Daniel Passi) e Yasmina (Daniela Jesus), que se ligam, mas também têm questões próprias. "Um está em busca de construção da sua identidade, pois desconhece seu passado e origem, e a outra é uma refugiada palestina que estuda reparação de objetos barrocos. A partir deles, se dá uma reflexão sobre as construções identitárias e as marcas das pessoas", resume Rosemberg, em entrevista por telefone ao O POVO.
No decorrer da relação, Samuel e Yasmina vão cruzando com diferentes figuras. "Eles entram em contato com pessoas mais idosas, que tentam moldar de alguma forma as identidades e o futuro desses jovens, e eles se rebelam às vezes contra isso", aprofunda. Entre os interlocutores do casal, está Antonio Pitanga, que interpreta o livreiro Jérèmie Valés - o ator e sua filha, Camila Pitanga, são os homenageados desta edição da Mostra. Além dele, compõem o elenco, ainda, parceiros habituais de Cariry, como Sílvia Buarque e Everaldo Pontes, e nomes novos como Romi Soares, Bruna Chiaradia, Hadi Bakkour e Rocco Pitanga.
A ideia original segue o diretor há décadas, tendo nascido enquanto ele esteve na França. "Eu a escrevi na região da Alsácia, o cenário inicial seria Estrasburgo, a catedral gótica, o campo de concentração de Struthof. Passei uma temporada lá observando os imigrantes e o peso do passado, da guerra e da dor", contextualiza.
A adaptação para o Brasil encontrou na cidade histórica de Ouro Preto questões semelhantes, além de memórias pessoais. Rosemberg já viveu no município, para onde foi enquanto estudante no início da década de 1970. "É uma cidade que tem, na minha vida e história, uma importância muito grande. Minha primeira saída do Ceará, numa época muito difícil e obscura, foi para lá. Essa convivência naquela cidade, naquele momento da vida brasileira, em contato com os festivais de vanguarda e um movimento cultural efervescente, foi muito importante", rememora. "Retomo a história ambientando a trama numa cidade também antiga, com um passado colonial muito marcado, com a marca da dor, do sofrimento e da escravidão. Voltar a Ouro Preto tem a ver com localizar nessa cidade, marcada pela tragédia da colônia, marcas simbólicas e ao mesmo tempo um centro de efervescência de vida, de jovens de todo o país", explica.
O embate entre essas questões se traduz no trabalho de imagem do filme. "O Petrus Cariry (diretor de fotografia) e o Sérgio Silveira (diretor de arte) conseguiram de forma muito sensível imprimir à cidade, ao mesmo tempo, uma beleza e uma certa estranheza, com essa coisa do contemporâneo e do passado juntos", aponta Rosemberg, que ainda destaca o trabalho da produção, assinado por Bárbara Cariry - apesar de filmado em Minas Gerais e ter contado com o apoio de instituições de Ouro Preto, como a prefeitura, a arquidiocese e Universidade Federal, Os Escravos de Jó é cearense. "Nós temos um filme de baixo orçamento e o grande desafio encontrado era transformar esses recursos em um filme de dimensão maior. Foi feito com muito cuidado", ressalta.
A estreia da obra em Tiradentes - que chega menos de cinco meses após o lançamento do longa anterior do diretor, Notícias do Fim do Mundo, no 29º Cine Ceará - é recebida com ânimo. "Tiradentes é um festival importante de debates estéticos e políticos, no sentido mais profundo. A homenagem a Pitanga me deixou muito contente, porque ele sempre representou pra mim um ator brasileiro por excelência. Tenho grande admiração", afirma Rosemberg. "O filme chega num momento bastante especial da vida brasileira e, de alguma forma, coloca algumas questões em discussão", instiga.
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