Na manhã chuvosa da última quinta, 13, o Vida&Arte esteve na Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Enquanto esperava a chegada do secretário da Cultura do Ceará Fabiano Piúba - que nos acompanharia em uma visita guiada ao local -, a reportagem testemunhou, de longe, uma mulher entrar no saguão do equipamento munida de guarda-chuva e uma pergunta: "quando a biblioteca vai abrir de novo?". A resposta, aguardada por ela e por muitos cearenses desde que o equipamento foi fechado em fevereiro de 2014, veio na entrevista concedida pelo secretário em seguida: a data programada é 25 de março, marcando o aniversário de fundação do equipamento, em 1867, e também a data da abolição da escravatura no Ceará. "Todos os esforços estão voltados para cumprir essa proposição. É uma data que a gente pode dizer que está não exatamente confirmada, mas programada. Nesse primeiro semestre, ou quadrimestre, vamos dizer assim, a gente está com essa biblioteca reinaugurada", afirmou Fabiano.
O equipamento funciona desde 1975 no prédio que ocupa hoje, ao número 255 da Avenida Leste Oeste, vizinho ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Já tendo sido reinaugurado em 2002, foi fechado em 2014 para uma reforma estrutural que começou em 2015 e seguiu até 2017, para desde então entrar em novo processo reformador, relacionado à modernização. O conceito norteador da Biblioteca Estadual do Ceará, nome pelo qual vai ficar conhecida a partir de agora, já foi apresentado anteriormente e se baseia numa ideia que vai além do depósito de livros, sendo também um "dínamo cultural", espaço de fruição de outras artes e de relação com o Estado. O processo de "modernização da sua arquitetura interior, ambientação, mobiliários e equipamentos", como explicou o secretário, implicou em novos processos licitatórios e intentou trazer mais liberdade e possibilidades para usuários e para o próprio espaço. Segundo informações da assessoria da Secult, o investimento total do governo no equipamento foi de R$ 21.671.697,79, "sendo R$ 11.348.762,75 destinados à obra estrutural e R$ 10.322.935,04 à modernização (incluindo aquisição de equipamentos, mobiliário e ambientação)". Além disso, "também foram investidos R$2.846.362,95 na obra de integração da Biblioteca com o Centro Dragão do Mar", informa a pasta.
A gestora Mileide Flores, que esteve na Secult como Coordenadora de Políticas de Livro e Leitura entre 2015 e 2018 e atualmente dirige a escola Vila das Artes, da prefeitura de Fortaleza, lembrou em entrevista ao O POVO que a intenção era justamente "fazer um realinhamento, uma adaptação dessa biblioteca para o século XXI". "Estou ansiosa para ver a Biblioteca Pública. É muito interessante a trajetória histórica dela. Quando foi criada, o Ceará era um estado analfabeto e a biblioteca passa muito tempo sem ter uma política pensada para ela", ressaltou. A produtora cultural e organizadora de saraus Monique Souza mostra-se confiante no papel do equipamento. "Acredito que a ampliação de espaço, público e mudança de conceito devem compensar todo este atraso. Vai causar um grande impacto entre diversos perfis de públicos.
Pesquisadores, poetas, mediadores de leitura e facilitadores de formações de linguagens, dentre outras atividades que não eram costume, vão proporcionar uma troca de experiência muito grande", prevê. Gestora social e atuante na Rede de Leitura Jangada Literária, Alilian Gradela lembra de demandas importantes para o novo momento do equipamento. "A retomada das atividades irá fortalecer a literatura no Estado e esperamos, enquanto Bibliotecas Comunitárias, também ter a oportunidade não só de participar de eventos literários, mas que visitas possam ser realizadas", exemplifica. "É preciso parcerias bem estruturadas, pois as Bibliotecas Comunitárias não têm recurso para levar público para a Biblioteca e, neste sentido, será preciso um olhar mais atencioso da Secult para viabilizar esse intercâmbio. Para que a periferia se sinta pertencente, ela tem que ter a oportunidade de chegar até lá - caso contrário, não será inclusiva", aponta. Segundo Fabiano, a Biblioteca será "ambiente para o acolhimento e para a pulsação, criação e difusão desses processos todos - saraus, os coletivos -, mas também vai se estender por algumas vias e algumas veias. Essa conexão é para que essas cenas culturais, artísticas, literárias, possam ser ocupadas pela biblioteca e a biblioteca ser ocupada por elas", adiantou.
Tal abertura dialoga com os diferentes segmentos de atuação que a Biblioteca terá, conforme o secretário. No eixo de mediação de leitura e formação leitora, serão desenvolvidas atividades de promoção de leitura, "da mais tenra idade aos coletivos de juventude, coletivos de sarau", afirmou Fabiano. Há ainda o eixo de programação cultural e artística, "onde você vai ter uma programação que vai se estender ao longo do ano fazendo as conexões entre o livro, a leitura, a literatura, o conhecimento e as outras linguagens artísticas"; o reforço da atuação da Biblioteca enquanto cabeça do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas; e a atuação de patrimônio e memória, com o acervo de obras raras e a hemeroteca, no qual Fabiano adiantou um projeto de fomento de pesquisas, publicações e realização de seminários.
Outro eixo é o de Criação e Inventividade, que prevê em ação integrada com a Escola Porto Iracema das Artes o desenvolvimento do Laboratório de Literatura e Textos Criativos, que seguirá "a mesma prática e metodologia" dos laboratórios de criação já existentes na escola. "Para isso, a gente vai reunir escritores e escritoras que aqui no Estado já atuam com essa vertente, oficinas de produção literária. Vai ser uma célula muito importante", ressaltou Fabiano. A ação reforça a integração pretendida entre a Biblioteca Estadual e o Dragão do Mar. "Vamos estar desenvolvendo programações integradas como, por exemplo, a exposição de abertura, onde parte dela vai estar também nos dois museus do Dragão. Não é só uma integração física, é uma integração conceitual e também em torno de um programa", apontou o secretário.
A relação entre os dois equipamentos também terá outra aproximação: será firmado um contrato de gestão com o Instituto Dragão do Mar (IDM) e a Biblioteca Estadual do Ceará terá gestão híbrida, como o Theatro José de Alencar. O IDM é uma Organização Social (OS) que gerencia nove equipamentos ligados à Secult, além do Centro de Formação Olímpica, este em parceria com a Secretaria de Esporte e Juventude do Ceará (Sejuv). "Pensando no quadro de pessoal, vão ter servidores da Secretaria da Cultura, servidores da biblioteca e, no concurso público que foi nomeado no dia 10, a gente teve 17 bibliotecários que vão estar, a maioria deles, aqui", destrinchou. O Conselho Regional de Biblioteconomia – 3ª Região – Ceará e Piauí (CRB-3), em nota enviada à reportagem, afirma que "lamenta que o Governo Estadual tenha privado a população ao acesso ao nosso mais antigo equipamento cultural, que completa 153 anos no dia 25 de março de 2020" e lembra "que tal descaso é aplicado também às bibliotecas escolares da rede pública estadual, funcionando em sua maioria de forma ilegal, sem bibliotecários, desrespeitando a lei 4.084/62, que determina que a gerência de bibliotecas é exclusiva do bacharel em biblioteconomia registrado no Conselho Profissional de sua Região". A nota ressalta, também, que a situação "se repete na rede de educação pública municipal de Fortaleza e de vários outros municípios dos Estados do Ceará e do Piauí". Além dos já citados no quadro de pessoal, profissionais de outras áreas como História, conservação e restauro e Letras nomeados no concurso também atuarão na biblioteca, além de terceirizados e do núcleo ligado ao contrato de gestão com o IDM. "Todas essas ações culturais, a programação acadêmica, cultural e artística, vão se dar por meio do contrato de gestão com o Instituto Dragão do Mar", reforçou Fabiano.
A gestão da Biblioteca Estadual é uma das principais preocupações da classe. Entrevistadas antes do encontro da reportagem com o secretário, a produtora Monique Souza e a gestora Mileide Flores deram conta da questão. "Se faz necessária uma gestão compartilhada com os usuários frequentes, sejam pesquisadores, leitores, escritores, mediadores de leituras e demais interessados. O diálogo tem de ser constante. E também tem de partir da gestão pesquisar, identificar e convidar os movimentos da cidade, ampliando o raio de localização destes artistas, pensadores, idealizadores que já fazem nas suas comunidades, escolas, ONGs e associações. A demanda e o interesse tem de partir dos dois lados para ser efetiva", defende Monique. Já Mileide propõe um olhar geral para as gestões de Organizações Sociais. "Acho que é muito, muito pesado eu ter apenas uma OS gerindo meus equipamentos. Vou ter problemas de gestão, porque você tá ali com uma OS que tem que executar a política do teatro, do cinema, da literatura. Fico preocupada, mas com uma ressalva: se isso for o que encontrarem - e aí vou acreditar na gestão - como a saída que vai agilizar de melhor forma e eu só tenho o Instituto Dragão do Mar a fazer isso, que seja ele", refletiu. "O IDM perpassa todos os olhares de todas as linguagens artísticas. O volume do fazer é muito grande. Você associa com o teatro, o cinema, com um Centro Cultural como o Bom Jardim - e hoje está até com o Centro de Formação Olímpica, também com a Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco... Admiro a capacidade de gestão que essa OS tem para dar conta disso tudo", considerou.
Linha do tempo
O Vida&Arte registrou, ao longo dos anos, o percurso e as expectativas em torno da Biblioteca
20/1/2015
O então recém-empossado Secretário da Cultura do Estado Guilherme Sampaio prometeu iniciar a obra da Biblioteca nos primeiros 100 dias de gestão
11/3/2015
V&A noticia que a ordem de serviço da reforma da Biblioteca seria assinada no dia posterior, 12, pelo governador Camilo Santana. Na ocasião, a previsão de entrega da Biblioteca reformada e integrada ao Centro Dragão do Mar, segundo o então secretário-adjunto da pasta Fabiano Piúba (hoje titular), era outubro de 2016
23/4/2015
Biblioteca passa a funcionar provisoriamente em um dos galpões da Estação João Felipe, no Centro, recebendo a alcunha de "Espaço Estação"
3/3/2016
Na primeira entrevista após assumir a titularidade da Secult, Fabiano Piúba cita "três reformas importantes" para 2016 e 2017 - entre elas, a da Biblioteca Pública. Na ocasião, dividiu que a "perspectiva" seria "entregar a biblioteca até meados de 2017"
6/6/2016
Matéria do V&A informa que as obras da biblioteca estavam 64% concluídas. A sinalização de reabertura era para agosto de 2017
24/8/2017
Nova data de reabertura é divulgada: "primeiro semestre de 2018", segundo informação repassada pelo secretário Fabiano Piúba ao O POVO. Na ocasião, as obras já estavam 100% concluídas
9/7/2018
Em matéria que retomava prazos prometidos para três equipamentos culturais, o V&A mostrou que o pouco específico prazo anterior - "primeiro semestre de 2018" - já havia sido superado. A assessoria da Secult informou em nota que a Biblioteca estava prevista para "ser entregue ao povo cearense em novembro de 2018"
21/8/2019
Durante a programação da Bienal, novo conceito da Biblioteca Pública é apresentado e, junto dele, uma nova data: 2020
O que está previsto
Espaço de atualidades - Perto da entrada principal, descrito pelo secretário Fabiano Piúba como um espaço "extremamente livre", com "cara de livraria, um ambiente favorável para ver as novidades que estão chegando à biblioteca"
Aluguel digital - Segundo Enide Vital, diretora da Bilioteca, o acervo do equipamento conta com 120 mil exemplares. Ela informa que "diariamente" novas publicações estão chegando. Fabiano adianta, ainda, que haverá também política de empréstimo de
livros digitais
Espaço de artes - Dedicado a publicações da área artística, ficará próximo à ligação da Biblioteca com o Dragão do Mar.
Espaço do Fazer - Ambientes para as pessoas "criarem produtos", conforme descrição do secretário
Labs - Com três espaços do tipo, o Lab é descrito como um "lugar onde você pode trabalhar em grupos fechados, como grupos de estudo", por exemplo
Auditório - Espaço multiuso para diversas atividades. "Pode estar acontecendo desde um lançamento de livro, como também funcionando com salas menores para oficinas", descreve Fabiano
Café - "Está se buscando um intercâmbio com a Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco Fortaleza, para que você faça essa relação de equipamentos do Governo", adianta Ana Soter