Na Pixar, as histórias saem da cabeça dos artistas da casa e depois vão sendo moldadas pelas centenas de pessoas que trabalham numa produção. No caso de Dois Irmãos - Uma Jornada Fantástica, o diretor Dan Scanlon se inspirou em sua vida. "Meu pai morreu quando eu tinha um ano de idade, e meu irmão, três", disse ele, na sede da Pixar, em Emeryville, arredores de São Francisco.
"Obviamente que sempre imaginei quem ele era e se eu era parecido com ele. Então a ideia para o filme surgiu dessa hipótese: e se eu tivesse a chance de conhecê-lo e passar um dia com ele, o que meu irmão e eu aprenderíamos sobre nós mesmos e sobre ele?".
O único jeito de isso acontecer seria com um pouco de magia. "O que nos fez concluir que teria de ser uma fantasia. Mas era uma história tão pessoal que eu não queria que acontecesse em outra época", disse Scanlon. E aí surgiu a vontade de usar elfos e unicórnios, mas numa cidade de hoje, parecida com as nossas.
Em Dois Irmãos, Ian (Tom Holland na versão original) é um adolescente elfo tímido e esquisito, sem amigos. Seu irmão Barley (voz de Chris Pratt) é o oposto: extrovertido e autoconfiante até em excesso e vidrado em fantasia. No dia em que Ian completa 16 anos, a mãe (voz de Julia Louis-Dreyfus) o entrega o presente que o pai, morto quando ele era bebê, havia lhe deixado. Trata-se de um cetro encantado, com uma pedra mágica, que permite justamente a volta do pai, mas somente por 24 horas.
O problema é que magia, quem diria, é mais difícil do que aparece nos filmes. O feitiço não funciona muito bem, e o resultado é daqueles que só o estúdio que fez um rato querer ser chef e nos levou ao interior da mente de uma menina pode criar. O pai fica incompleto, apenas um par de calças. Ian e Barley precisam correr contra o tempo para achar outra pedra mágica, completar o feitiço e conhecer o pai, que vai a reboque, apenas um par de calças puxado por uma coleira - mais Pixar, impossível.
Mas também, de certa forma, Ian e Barley estão à procura da magia perdida do mundo - há unicórnios, mas eles não são admirados, estão sempre revirando o lixo. "No mundo em que vivemos pode não haver unicórnios, elfos e centauros, mas há magia. Só que não prestamos atenção".
O diretor admitiu que tentou afastar um pouco a história de Dois Irmãos da sua. "É compreensível porque é um assunto sensível para o Dan. Mas às vezes tínhamos de perguntar coisas específicas para ele, para que a história ganhasse mais peso emocional e verdade", disse a produtora Kori Rae. No fim, ele se disse feliz com o resultado. "Amo os relacionamentos com as pessoas em que nos inspiramos. Espero que outras pessoas sintam o mesmo". (Agência Estado)
A fantasia como espelho que reflete a realidade
Tudo começa na festa de 16 anos de Ian. Nada está dando certo na vida do garoto elfo e, para animá-lo, sua mãe lhe dá um presente especial, deixado por seu pai. É um cajado, que logo revela possuir poderes mágicos. Ian e o irmão invocam o poder do cajado para trazer o pai de volta, mas o máximo que conseguem, na recriação da figura paterna, é chegar à cintura. Um par de sapatos, uma calça, um cinto. É tudo. E começa uma corrida para completar o pai. Em entrevista, no recente Festival de Berlim - Dois Irmãos, Uma Jornada Fantástica passou fora de concurso -, o diretor Dan Scanlon contou que tinha um ano quando seu pai morreu. O irmão tinha três. Os dois cresceram sonhando como seria esse pai, que conheceram de fotos.
Um dia, um tio enviou-lhe uma fita cassete com a voz do pai. Mas ele dizia apenas duas palavras. "Alô" e "Adeus", Hello and Goodbye. Como esses parcos elementos conseguem preencher um vazio imenso, uma vida inteira? Com a ajuda da magia. Scanlon, diretor de Carros e Universidade Monstros, define Dois Irmãos como seu filme mais autoral. Agradece à Pixar/Disney por lhe incentivar a autoralidade, mesmo à frente de centenas de pessoas na condução do projeto. "O que a Pixar defende", segundo ele, "são as histórias humanas". Tom Holland, o Homem-Aranha, e Chris Pratt, da nova série do Parque dos Dinossauros, dublam os irmãos, Ian e Barley.
"Ian é tímido, Barley é confiante. Precisava de atores que me dessem esse balanço de introversão e extroversão." Embora habitada por elfos e unicórnios, a história passa-se num mundo semelhante ao nosso - real? Para incrementar a ação, há um game. Em dezembro, o painel de Scanlon já havia sido o mais disputado da CCXP, no São Paulo Expo. Em Berlim, havia gente chorando no fim da sessão. A fantasia pode ser, e com Scanlon é, espelho da realidade. (Por Luiz Carlos Merten/ Agência Estado)