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"Vaga Carne" e "Sete anos em maio": Verbo se faz carne, carne se faz verbo
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

"Vaga Carne" e "Sete anos em maio": Verbo se faz carne, carne se faz verbo

Dirigidos por Grace Passô e Ricardo Alves Jr., e por Affonso Uchôa, respectivamente, os médias-metragens abordam questões de memória, identidade e história
Foto: divulgação "Vaga Carne", de Grace Passô e Ricardo Alves Jr.

Pela palavra e pela carne, em associação ou independentes entre si, dão-se elaborações de memória,  identidade, história. Refletindo sobre os temas a partir de linguagem, discurso e performatividade, os filmes Vaga Carne e Sete Anos em Maio tem estreia prevista nesta quinta, 19, em sessão conjunta. O primeiro, dirigido por Grace Passô e Ricardo Alves Jr., é baseado no texto cênico homônimo - de autoria de Grace, também protagonista da obra - que conta a história de uma voz que ocupa o corpo de uma mulher. Já o segundo, de Affonso Uchôa, parte da história real de Rafael dos Santos Rocha, jovem que foi torturado pela polícia. Os filmes, de média-metragem, chegam aos cinemas por iniciativa da Embaúba Filmes.

Daniel Queiroz é o diretor da distribuidora, criada em 2017. Com experiência em programação e curadoria, veio acompanhando as carreiras das obras e teve a ideia de aproximá-las em sessão conjunta. "Há uma relação, uma sintonia entre os dois. O Vaga Carne traz várias questões para reflexão sobre corpo, medo, lugar de fala, temas muito urgentes, e o Sete Anos em Maio traz uma temática social forte, a violência policial na periferia", considera.

Vaga Carne, como define Grace, "é um projeto que abarca várias expressões" - há o espetáculo, o filme e também um livro com o texto dramatúrgico. "É até um pouco difícil delimitar de forma precisa onde começa uma coisa e onde ela se transforma em outra", afirma a artista. A convergência de linguagens, inclusive, é uma característica da obra pregressa de Grace e Ricardo Alves Jr.. "Ele é meu parceiro nas artes, há muitos anos a gente se propôs a experiência de fazer uma peça a partir do roteiro do último filme do Bergman. Esse exercício linguístico, digamos assim, existe na nossa parceria", retoma a diretora. A transposição do teatro ao cinema é descrita por ela como "um exercício de transcriação". "Uma das nossas maiores questões foi pensar a peça através dos elementos do cinema. Se trata de uma articulação de linguagem. A personagem principal desse filme é uma voz e esse dado nos expandia a intenção de entender o trabalho desse som", exemplifica.

Sete Anos em Maio, por sua vez, traz na estrutura reflexões sobre o papel da linguagem cinematográfica ao recontar a história do protagonista de diferentes formas: a obra começa com uma representação da violência policial sofrida por Rafael, segue com um longo relato de memória dividido pelo próprio e, finalmente, abre espaço para uma sequência simbólica e performativa. "O filme surge de uma intenção documental, em vários sentidos da palavra. O que eu queria é que fosse um documento, um atestado sobre algo que aconteceu e que não podia morrer em silêncio. A base foi documental e, na fatura final dele, a gente vai ver o acontecimento, a realidade e a memória transformados pelo cinema, modulados pela linguagem. Isso é o cinema atuando junto com o acontecimento, não somente registrando", destrincha Affonso. "O que você tem nele é um tour de force por possibilidades e formas do cinema e da linguagem cinematográfica se relacionarem com um acontecimento trágico. Fui buscando formas da imagem se ajustar à memória, da imagem do filme dar conta - sabendo que não seria uma verdade absoluta. Fui percebendo que a verdade estava na busca", define o diretor.

Reflexões sobre a relação entre realidade e ficção, enfim, estão também no centro das duas narrativas. "Arte é realidade. É um gesto da realidade e na realidade. Uma das perguntas que hoje se escancara para a arte contemporânea é: até que ponto ela vai colocar em prática os temas que se propõe a falar? Até que ponto a arte vai romper o limite do tema e a sua prática conseguirá ser um ato coerente em relação ao que ela se prestar a falar?", indaga Grace. O debate, enfim, é sobre quais vozes e quais corpos têm espaço para produzir arte. "As perspectivas de uma narrativa mudam a própria narrativa, a forma como se conta e o que se conta", argumenta a diretora.

* Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o fechamento ou não das salas de cinema em Fortaleza devido ao coronavírus. Sugerimos verificar.

 

Foto do João Gabriel Tréz

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