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Roberto Galvão completa 70 anos entre planos e reavaliações
Vida & Arte

Roberto Galvão completa 70 anos entre planos e reavaliações

No ano em que completa 70 anos de vida, celebrados nesta sexta-feira, dia 1º, multiartista cearense, que tem mais de 50 dedicados à arte, relembra trajetória com fôlego para a reedição de seu primeiro livro, impresso há 35 anos
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Roberto Galvão é um artista plástico brasileiro nascido na década de 1950 (Foto: JOÃO FILHO TAVARES/O POVO)
Foto: JOÃO FILHO TAVARES/O POVO Roberto Galvão é um artista plástico brasileiro nascido na década de 1950

Nos encontramos, desta vez, por telefone. À distância, que em nada alterou sua forma carismática de receber com sorriso. Sorria na voz, em cada lembrança, e lembrou-se de tudo: "Posso até dizer que, do tempo que eu tenho consciência, desde que fazia o ginásio, a minha relação com a arte foi quase que total. Sempre pautei minha vida pelas questões estéticas. Nunca tive outra coisa que me puxasse além". Não teve mesmo. Mantém-se fiel ao que ama.

Dos 70 anos de idade recém-completos, quase todos foram entregues à arte, sua forma mais pura de ser - e desenhar o mundo. Um mundo que é seu, dado de presente a quem, como ele, souber enxergá-lo. Roberto Galvão o sabe, e com precisão de um "falcão de maio" ou "falcão branco" (tradução de "Galvão" no inglês antigo). Sua capacidade e sensibilidade artística - intelectual, não tão sentimental (fez-nos esta correção) - de notar o invisível. Para ele, às claras, em versões multicor. "Por que que nós, artistas daqui, não pintamos essa paisagem?", refere-se à caatinga ("caa" é "mato", "tinga" é "branco"), que por dez anos, no ir e vir de Sobral a Fortaleza, passou a dar atenção, retratando-a em uma série até hoje trabalhada, "Mato Branco", uma das mais importantes da trajetória do artista, um "brincante" de arraias - seu início na arte construtiva.

"Sempre achei a decoração que se faz no papel da arraia, uma solução estética muito interessante", ligou Roberto ao interesse que nasceu na época, mais tarde, catalogado em série, a das arraias, seguida das de paisagens áridas, um segundo momento importante na vida e obra do cearense. "Pintava muito o sabiaguaba, quando tinha muito pouca residência", relaciona à época que começou o alargamento da ocupação urbana da cidade. "Foi quase que uma tendência na arte de Fortaleza", observou o artista - precursor - com facilidade para ver beleza nas preocupações que o afligia. "Passei a pintar dunas e as paisagens antes que elas fossem totalmente dominadas pela paisagem urbana construída", então eternizou em seus quadros.

Mas Roberto, rapaz que após participar de bienal em São Paulo, ganhou, aos 23 anos de idade, espaço para uma exposição no MAUC, tinha, como ainda tem repertório para mais. Não só pinta. Cria. Transforma. É um multiartista com várias técnicas na manga, e mostra todas, como um grande contribuidor que tem sido, nesses anos todos, às artes plásticas. "Indiscutivelmente, a xilogravura. Eu gosto do resultado da xilogravura. Eu gosto de cortar a madeira. Eu gosto de planejar a gravura", diz sobre a técnica que atualmente lhe dá mais prazer de fazer, apesar da repercussão, segundo ele, mais da tinta acrílica sobre tela. "Ela é mais simples de se executar. A xilo requer mais esforço. No ano de 2014, eu realizei mais de 70 e isso me deu um (risos) problema no ombro, de tanto fazer força de cortar a madeira. Uma artrose (risos)", pescou da memória, cheia de capítulos para narrar. E já as narrou.

Mestre em História Social pela instituição onde se formou historiador, na Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto Galvão é autor de três livros que, junto com ele, fazem aniversário de data fechada este ano: Chico da Silva e a Escola do Pirambu, impresso há 35 anos, Cinco Mestres Xilógrafos e Arte Tremembé, ambos de 2005. Em relação ao primeiro, como nunca o lançou - apesar de estar esgotado -, manifestou planos. Como foi impresso sem a revisão de Roberto, na época: "Gostaria de fazer uma segunda edição, revista e ampliada. Porque hoje eu tenho uma outra visão, um pouco diferente desse meu primeiro livro que fiz", justifica.

As comemorações pelo seu aniversário seriam neste mês, com exposição em homenagem no MAUC, que, devido à pandemia no mundo, teve de adiar sua agenda. "Eu não sei ainda como isso será equacionado, essa exposição, que, para mim, seria ótimo, fazer isso. Mostrar todas as fases (dele como artista), como a dos bichos, que era uma preocupação com a engenharia genética", muitos ensinamentos, que aprendeu, e com sorte (a nossa!), compartilha:

"A razão de ser, da gente viver, é alimentar o corpo, o espírito, e desenvolver afetividade". "Enquanto à arte, para poder materializar todas as ideias que vêm na cabeça, a gente precisa ter um leque enorme de possibilidades técnicas", condiciona à liberdade, para ele, necessária. "Mais do que compreender o enredo, eu vejo os detalhes da vida, da cultura, das pessoas", ensina.

Um artista multifacetado

Roberto Galvão é um artista que sempre admirei o trabalho. Desses inquietos que estão sempre se desafiando e criando novas possibilidades. Curioso, também é um pesquisador que presta uma louvável contribuição para a arte cearense. Também é professor, produtor cultural, curador, gestor de grandes projetos e instituições. Sempre o encontraremos envolvido em diversos projetos. O tenho como uma referência do que é ser um artista multifacetado nos dias de hoje. Mas além de tudo isso, Galvão é umas das pessoas mais generosas que tenho o prazer de conhecer.

Weaver Lima foi curador da exposição Mato Branco, uma das mais significativas do artista cearense

Querido amigo

Na década de 1960, nós estávamos organizando a Casa de Cultura Raimundo Cela, cuja liderança era a dona Heloísa Juaçaba, uma nossa grande pintora, querida amiga. Então ali acorria uma grande quantidade de pessoas interessadas em arte, e eu praticamente morava lá. A dona Heloísa trazia nossa merenda, trazia as coisinhas para gente ficar por lá, animando, fazendo a nossa obra..., e, um dia, entrou um menino. Um menino alegre, dos olhos grandes, moreninho, fardado da escola de cadetes, um colégio militar. E olhei de baixo do suvaco do menino, tinha um livro. Um livro pequeno, do Mao Tsé-Tung. Já pensou um menino com 13 anos lendo Mao Tsé-Tung? Aí dizia-se: "esse menino ou vai ser o diabo ou vai ser um grande artista". Ainda bem que ele foi e é o grande artista nosso atualmente, que é o nosso querido amigo, Roberto Galvão. Roberto Galvão, com Mao Tsé-Tung, sem Mao Tsé-Tung, com coronavírus, sem coronavírus, você é um dos maiores artistas que eu conheci e tenho a honra de tê-lo como meu amigo. Um grande beijo, meu querido amigo, Roberto Galvão.

Descartes Gadelha, 76, pintor, desenhista, escultor e músico brasileiro

Personalidade sólida e marcante

Roberto Galvão mantém-se, ao longo de sua trajetória artística, permanentemente imerso na criação, na pesquisa e na produção da arte. Longo caminho, marcado por uma diferenciada percepção, sensibilidade, versatilidade plástica, consciência histórica, contínua adaptação e conquista de novas linguagens. Personalidade sólida e marcante, Roberto Galvão engrandece o nosso meio artístico, elevando-se ao patamar dos grandes espíritos criadores, tornando-se singular referência para a compreensão das manifestações artísticas em nosso meio.

Pedro Eymar, 72, professor da Universidade Federal do Ceará formado em Arquitetura e Urbanismo pela mesma instituição, ex-diretor do Museu de Arte da UFC - MAUC

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