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Qual o efeito do coronavirus sobre o cinema mundial?
Vida & Arte

Qual o efeito do coronavirus sobre o cinema mundial?

O que fechamento das salas de exibição por conta da pandemia diz sobre a indústria do audiovisual? E sobre a experiência do público? O crítico de cinema PH Santos discorre sobre esse cenário
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O IRLANDÊS, produção recente de Martin Scorcese para a Netflix. Abaixo, Taxi Driver (1976), clássico de Scorcese, com Robert De Niro (Foto: fotos divulgação)
Foto: fotos divulgação O IRLANDÊS, produção recente de Martin Scorcese para a Netflix. Abaixo, Taxi Driver (1976), clássico de Scorcese, com Robert De Niro

Antes da grande parada por conta da pandemia da Covid-19, o cinema, ou o novo (novo novo) cinema já vinha sendo discutido. Streaming é cinema? Assistir a um filme em casa, tem a mesma validade? Essa discussão tornou-se mais forte quando Martin Scorsese, um dos cineastas mais renomados da indústria, lançou O Irlandês exclusivamente na Netflix.

Antes disso, o cineasta já havia sido colocado em um embate contra a Marvel naquela linha da declaração "sem querer querendo". Em entrevista publicada pela revista Empire, declarou que os filmes da Marvel não pareciam cinema e poderiam se comparar a Parques de Diversões.

Quantos de nós assistimos Taxi Driver ou Touro Indomável, ambos de Scorsese, pela primeira vez no cinema? Poucos. E a resposta vai para "nenhum" quando a pergunta muda para se vimos pela primeira vez nas grandes telas de cinema de shopping, com som calibrado a laser e poltrona que saltita. Isso também se aplica a Poderoso Chefão, ao primeiro Star Wars, ao Superman de Christopher Reeve e por aí vai.

Onde quero chegar. O cinema não é a qualidade da sala em si. Ela proporciona uma das diversas maneiras de dividir com conhecidos e desconhecidos a catarse (positiva ou negativa) de receber arte. Ao serem fechadas por conta da quarentena, perdemos essa experiência, mas não perdemos o cinema por si. A catarse ainda poderá acontecer. Afinal, se a maioria dos que viram O Poderoso Chefão não o fizeram pela primeira vez nas salas de cinema por que ele ainda assim figura entre os melhores filmes de todos os tempos?

Deixemos de elitismo. Cinema é para todos, mas salas de cinema modernas, que agora choram o dinheiro perdido ao estarem fechadas, não são. São para poucos. Assim como TVs de 60 polegadas e a possibilidade de ligar um bluetooth com 7 canais também é para poucos. Mas todos os filmes aqui já citados podem ser para todos. Seja na TVzinha, numa projeção na praça ou no celular; seja de fone de ouvido que funciona só um lado ou apenas lendo a legenda. Em qualquer circunstância, os bons filmes continuarão gigantes.

Você abriria mão de ver um quadro original de Leonardo Da Vinci por ele estar na sala da sua casa e não no Louvre?

Finalmente entendi Scorsese. Vários filmes hoje em dia (ou melhor, hoje em dia até a pandemia) crescem quando têm a ajuda do modelo parque de diversão. Eles não estão errados, diga-se, pois é uma variável do mercado que deve ser explorada pelo simples fato de existir e lucrar. É fascinante gritar o mesmo som com várias pessoas ao mesmo tempo, tipo estádio. Dá a sensação de pertencimento que muitos não têm o privilégio de ter em outros aspectos da vida. Entretanto, cinema não é puramente isso, ele está sendo usado para isso, mas poderia ser guerra entre robôs, pessoas se estapeando num ringue, aviões fazendo manobras incríveis ou qualquer coisa que faça as pessoas se moverem facilmente das suas casas para consumir e, quando voltarem, continuem consumindo de algum jeito.

O que fez o cinema crescer foi o pós-filme. Depois do "The End". Foi a identificação dos grupos depois daquele filme não estar mais nem em cartaz. As discussões intermináveis. A influência de um diretor pelo outro, que por sua vez foi influenciado por Picasso e/ou Del Toro e assim sucessivamente. Tudo isso numa maçaroca gigante de onde nascem os fãs, os críticos, os analistas, os acadêmicos e mais produtores ainda.

Continuemos cinema. É hora de revisitar como vimos nossos primeiros filmes. É hora de revisitar a essência, a arte por si só. Assista na tela do seu relógio, mas assista. É a única regra.

PH Santos é membro a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine)

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