13 de maio de 2020… isolamento, enclausuramento, políticas do medo…
Isto não é sobre “abolição da escravatura”, mas sim como o racismo cotidiano reencena um passado colonial e ainda materializa imagens dos navios negreiros, do cativeiro e da plantation na contemporaneidade. Achille Mbembe, ao falar de uma “força necropolítica”, afirma que esta relação colonial oscila constantemente entre o desejo de explorar o Outro (formulado como racialmente inferior) e a tentação de eliminá-lo.
Esta lógica do recinto fechado fabrica corpos racializados, historicamente explorados e matáveis. Populações inteiras que habitam zonas de morte, vidas não passíveis de luto e muito menos de comoção social. Pois residem zonas sob a inscrição de “lugar-perigoso” – lugares que a Polícia Militar protagoniza chacinas e facções criminosas agem usando balaclava (mas nem sempre), pistola .40 e colete a prova de balas - é também onde reina a “lei do silêncio” (que é também a lei da morte-adiada). Mas é também dos enclausuramentos subdivididos, feitos de concreto e grades de aço que, sob tutela do Estado, homens decapitam outros homens, arrancam o coração, olhos e órgão sexual e exibem diante de uma câmera de celular e da segurança interna de presídios.
Diante disso, não basta conhecer quais são os códigos sociais, locais e das instituições do Estado, é necessário inventar rotas de fuga, adiantar-se, se juntar a um bando, “cuidar na fuga!”. A postura subversiva dos poetas é “fugir da Plantation” identificando-a no tempo presente, escapar diariamente ainda que não saia totalmente ileso, ou seja, uma das formas mais decisivas da resistência à opressão escravagista. Perder o caráter estanque, não dar “bobeira”, se esquivar, se evadir, habitar encruzilhadas, escapar e até se fingir de “morto” são vetores de desterritorialização.
Expressões como “fica ligeiro!” ou “cuida na fuga!” exprimem a ideia de ser ágil, estar atento ou fugir, se deslocar, adiantar-se, sair de onde está e ir para outro lugar. Expressões como estas ainda são amplamente utilizadas em conversas na vida cotidiana de algumas/alguns poetas das periferias e favelas de Fortaleza, por exemplo.
Os encontros-saraus das periferias possuem certa espontaneidade, criam ordenações múltiplas e relações possíveis entre os participantes e a própria comunidade - eles a modificam pelo menos temporariamente. “Podem não saber ler e escrever, mas sabem falar o que sentem. Isso é poesia!”, observou Samuel Denker, 33 anos, poeta e um dos organizadores do Sarau da B1, localizado na Av. Bulevar 1, São Cristóvão (Grande Jangurussu).
Portanto, não há o que comemorar no dia 13 de maio. Reivindicamos uma existência respirável contrária a toda lógica que nos asfixia há séculos! A favor de uma poética das encruzilhadas, da ocupação das ruas com poesia e literatura por meio dos encontros-saraus das e dos poetas das periferias. Pois, ocupar praças com arte, subverte e ao mesmo tempo ressignifica não somente a própria noção de “sarau” por meio do “microfone aberto”, mas inventa relações entre as pessoas e o espaço de forma menos hierarquizada e descentralizada; possibilidade não somente de fala, mas, sobretudo, de escuta.
Caminhar e habitar encruzilhadas na Cidade é tecer e inventar Rede de Afetos, ou seja, uma poética anticolonial.
Rômulo Silva é poeta e pesquisador. Nascido criado no Pantanal (Planalto Ayrton Senna), periferia de Fortaleza (CE). É integrante do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (COVIO/Uece), onde também coordena a linha de pesquisa "Estudos afro-atlânticos". Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGS/Uece).