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Arte para desmontar os arquivos coloniais
Vida & Arte

Arte para desmontar os arquivos coloniais

A convite do OP+, arte-educadora e designer Rodrigo Lopes relembra iniciativas artísticas que ajudam na construção de novos mundos possíveis em contraste a um passado de escravidão
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Tipo Notícia
Abertura do Grupo de Estudos Decoloniais em 2019, organizado pelo Laboratório de Arte Contemporânea e pelo Programa de Educação Tutorial do Curso de Comunicação Social, ambos da Universidade Federal do Ceará (Foto: Arquivo pessoal / Rodrigo Lopes)
Foto: Arquivo pessoal / Rodrigo Lopes Abertura do Grupo de Estudos Decoloniais em 2019, organizado pelo Laboratório de Arte Contemporânea e pelo Programa de Educação Tutorial do Curso de Comunicação Social, ambos da Universidade Federal do Ceará

Palavras são feitas de memórias. Se escrever é um exercício de lembrar, então escolher as palavras de um texto implica decidir o que será esquecido. Enquanto escrevo, vou lembrando. Hoje quero lembrar das artistas e educadoras/es do nosso tempo que tem desmontado os arquivos coloniais.

Há exatamente um ano, acontecia a exposição "Corpos Furiosos". Participaram Amanda Monteiro, Aline Furtado, Eliana Amorim, Erica R., Karine Araújo, Maria Macedo, Priscila Smiths, Silvelena Gomes e Vitória Sena. Com curadoria feita pelas Terroristas del Amor, coletivo composto pelas artistas Dhiovana Barroso e Marissa Noana, a exposição nasceu de um convite feito pelo Trovoa, um coletivo de mulheres não-brancas e racializadas, que mobilizou o País.

Em 2019 também aconteceu a exposição Território Somos Nós. Com curadoria de Clébson Óscar, essa edição reuniu trabalhos de artistas que não tinham circulado em qualquer salão de arte e participei com Aline Furtado, Ronald Horácio, Pedro Silva, Terroristas del Amor e Amanda Monteiro.

Sendo Clébson um dos produtores do Ateliê Casamata, com Darwin Marinho, Luly Pinheiro, Leon Reis, Lilian do Rosário, Mumu Cruz, Levy Freitas, Nerice Carioca, Carol Sousa, Sy Gomes e tantas outras, realizamos a segunda edição da Mostra Negritude Infinita, um espaço que tem gerado reflexões sobre os rumos do cinema contemporâneo a partir da produção de realizadoras/es negras/es/os brasileiros.

E como esquecer as contribuições da Beethoven da Silva para a Arte-Educação? Licenciada em Artes Visuais pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), Beethoven construiu uma pesquisa pesquisa caríssima sobre a presença do negro nas artes e ofícios do Brasil no século 18. Uma bicha caririense que conseguiu apoio do Museu Afro Brasil para desenvolver sua investigação e construiu uma lista de 26 artistas, localizados entre cidades da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. Sua monografia compõe a bibliografia de disciplinas do curso.

Lembrei também da pesquisa que David Felício, professor de história da rede estadual, tem construído junto com o artista e arte-educador Jorge Silvestre sobre a história do Ceará e a questão das populações negras na memória e cotidiano do Estado. Em especial, destaco a obra Invisível:Incolor (2018), instalação composta de fotografias de família e impressões apresentada na exposição Soterramento, com curadoria da Lucas Dilacerda.

"Invisível:Incolor" (2018), de David Felício e Jorge Silvestre, que compôs a exposição Soterramento
"Invisível:Incolor" (2018), de David Felício e Jorge Silvestre, que compôs a exposição Soterramento (Foto: Obra de David Felício e Jorge Silvestre / Foto de Lucas Dilacerda)

Por último, quero deixar marcado aqui o trabalho que temos desenvolvido no LAC - Laboratório de Arte Contemporânea há cinco anos. Inicialmente coordenado pela Prof. Ms. Kaciano Gadelha (FURG) e tendo como bolsistas Anna Luisa Costa, Hércules Lima, Tay Moreira, Lucas Dilacerda e eu, o laboratório trouxe para dentro do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (ICA-UFC) discussões sobre produções teóricas/es/os e artísticas atravessadas por questões de raça, classe, gênero e sexualidade.

Hoje coordeno o LAC junto com a Lucas e temos nos dedicado a oferecer formações, seminários e outras ações a partir de pensadoras/es que operam uma descolonização do pensamento. Em especial, gostaria de mencionar o Grupo de Estudos Decoloniais (organizado com o PETCom-UFC) e o Grupo de Estudos em Arte e Decolonialidade, no qual contamos com a mediação do Prof. Ms. Rômulo Silva sobre a obra do psiquiatra martinicano Frantz Fanon.


Estas memórias (ainda faltam muitas outras) não são apenas minhas. São coletivas. Ao inscrevê-las aqui, este texto torna-se então um arquivo: uma possibilidade de, no futuro, relembrar o que temos feito hoje, cavando nosso passado enquanto construímos outros mundos possíveis.

Rodrigo Lopes é artista, arte-educadora e designer. Coordena o LAC - Laboratório de Arte Contemporânea, onde pesquisa relações entre álbum de família, arquivo e sexualidade. Graduada em Comunicação Social (UFC) e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes / Unesp).

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