Desde que foi nomeada como secretária especial da Cultura do governo Jair Bolsonaro, após "namoro, noivado e todos os proclamas antes do casamento" com o presidente, Regina Duarte nunca mostrou a que veio. Tente lembrar de uma única ação da secretária na pasta e não conseguirá. A passagem da atriz pelo cargo público foi, para muitos que a admiravam artisticamente, o seu pior papel. Talvez por isso, sua saída oficial da pasta, na manhã desta quarta-feira, 20, não cause tanta surpresa. Afinal, ela nunca esteve, de fato, ali. Quem sabe não tenha entendido que não se tratava de mais uma obra de ficção, e para alguém que por mais de cinco décadas se dedicou a encenar, tenha sido difícil enfrentar a vida real.
Empossada poucos dias antes do agigantamento da pandemia de coronavírus no País, Regina Duarte poderia ter tido atuação brilhante na tentativa de colocar a Cultura em protagonismo neste momento. Integrante da classe artística, deveria, melhor do que qualquer outro gestor, ter tido a sensibilidade de perceber que têm vindo das ações artísticas - voluntárias ou patrocinadas - o pouco frescor que conseguimos encontrar em dias tão abafados pelo isolamento, pelo medo, pelas estatísticas relacionadas à contaminação pelo vírus. Era a oportunidade da secretária de provar, nas mais variadas instâncias, o papel preponderante das políticas públicas voltadas para a cultura e sua transversalidade com as outras demandas sociais.
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Alheia a isso, ela sumiu. Sua presença foi cobrada pelos colegas. "Cadê você, Regina?", muitos escreveram em suas redes sociais. Enquanto estados e municípios apresentavam projetos de socorro aos artistas - por mais simplórias que fossem as ações - a secretária nacional Regina Duarte seguia alheia às dores de seus pares e dava chiliques em rede nacional, entre caras e bocas, como numa cena de novela. Minimizando as mortes que se avolumavam, inclusive entre grandes nomes da cultura nacional, alegou que não iria "abrir um obituário" em sua pasta. Naquela mesma cena, relativizou um passado vergonhoso do País, que teima em se fazer presente novamente. O pior é saber que sua saída da secretaria nada tem a ver com isso... Nos embates ideológicos que se puseram nos bastidores dessa "crise", esse episódio era fichinha.
A verdade é que a transferência de Regina da Secretaria Nacional da Cultura para a Cinemateca Brasileira não traz impacto relevante para uma realidade triste já enfrentada pelos trabalhadores da Cultura no Brasil e explicitamente desprezada no governo Bolsonaro. Na verdade, só reafirma a pouca importância que o setor representa para a atual gestão. E isso é muito conveniente para a política bolsonarista.
Não vejo horizontes possíveis senão a própria articulação da classe artística e da sociedade por novos modelos de produção, distribuição e consumo da arte, independentes deste governo, pelo menos enquanto ele existir. Creio na na importância criativa e na força da cultura como parte do processo de educação e evolução de um povo. Disso não podemos abrir mão.
Sobre Regina Duarte assumir a Cinemateca, lamento. Esse papel também mereceria um outro protagonista.
Cinthia Medeiros
Editora-Chefe de Cultura e Entretenimento