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Um "amor secreto que não é mais segredo" na Netflix
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Um "amor secreto que não é mais segredo" na Netflix

Documentário da Netflix conta a história de amor e as vidas de Pat e Terry, casal que escondeu a relação amorosa durante mais de seis décadas
Tipo Opinião
Secreto e Proibido de Chris Bolan,
 (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Secreto e Proibido de Chris Bolan,

"Eu gosto de ler. Eu li muitas histórias, mas não conheço nenhuma em que uma mulher ame outra", escreveu Pat Henschel para Terry Donahue em um recado furtivo e apaixonado, ainda no início do reconhecimento dos sentimentos que ambas nutriam uma pela outra, ali pelos anos 1940. A sequência em que Terry reconta esse momento da relação das duas, assim como as sensações vívidas da ocasião, é uma mais definidoras de "A Secret Love", documentário disponível na Netflix que, justa e felizmente, conta a história de amor entre as duas mulheres.

O nome em português da obra, "Secreto e Proibido", perde a singeleza do título original, "um amor secreto", que surge na tela significativamente acompanhado dos versos da canção homônima de Doris Day: "Uma vez eu tive um amor secreto/ Que viveu dentro do meu coração (...)/ Agora eu grito das colinas mais altas/ Mesmo disse aos narcisos dourados/ Finalmente meu coração é uma porta aberta/ E meu amor secreto não é mais segredo". "A Secret Love" é sobre gritar nas colinas, abrir o coração, ainda que possa parecer tarde.

O documentário de Chris Bolan, sobrinho-neto de Terry, retrata essa abertura de maneira emocionante e precisa. As duas mulheres se conheceram nos anos 1940, quando logo se apaixonaram - isso num contexto, obviamente, totalmente contrário à expressão desse amor. Por isso, sempre foram, aos olhos da sociedade, a "prima" ou a "amiga" uma da outra. Desde esses tempos, viveram uma história de amor que, forçada a ser secreta, sobreviveu a inúmeras barreiras, seja de tempo ou de preconceitos. Ao longo das décadas, elas tinham lugares específicos de segurança e liberdade, mas a abertura total desse amor secreto só ocorreu quando chegavam na casa dos 90 anos.

Apesar desse caráter revelador ser, sim, central para a obra, o filme não se limita a ser um retrato específico dele em um viés "edificante" ou puramente utópico. As emoções às quais o filme acessa são mais complexas e tortuosas. Há percalços e pesares no caminho, é natural, e é aí que o documentário não se limita a ser puramente deslocado e ingênuo quanto a questões práticas e palpáveis. Um exemplo direto é o acompanhamento que "A Secret Love" dedica ao processo de envelhecimento de suas protagonistas, por exemplo. Logo no início do filme, vemos que Terry tem tremores nas mãos, mas ainda irradia vitalidade. Fisicamente, ela aparenta ser mais frágil que Pat, por exemplo, que é mais "durona" tanto no âmbito emocional quanto na postura e nos trejeitos. Com o desenrolar do documentário, o inevitável ocorre e as dores do envelhecer se abatem nas duas. "Envelhecer não é para os fracos", como Terry ensina.

A obra mostra, sim, sofrimento, mas não se encerra nele. Prefere os afetos, as memórias preciosas, os pequenos carinhos, os grandes processos. São ricas não somente as reminiscências do amor entre elas, mas também das próprias existências individuais delas. Terry, por exemplo, foi jogadora de basebol também nos anos 1940. Pat chegou a jogar hóquei. O pioneirismo delas espalha-se por diversos âmbitos de suas vidas.

Joga a favor do filme um trabalho notável de arquivo. São muitos os registros acumulados das décadas vividas pelas duas - desde imagens da infância, passando por fotografias e cartas do início da relação, chegando a álbuns com fotos de viagens e encontros já na terceira idade. Se a falta de arrojo estético do documentário, com inúmeras sequências de sobreposições e "animações" das fotos, é um ponto possível de ser criticado, o conteúdo e a beleza desses registros compensa qualquer problema.

Do alto dos 90 anos, Pat e Terry são mostradas no filme como figuras de vida bem privilegiada. Têm sólidas bases afetiva, financeira, emocional. Não são regra, é verdade, e o filme não faz parecer que sejam. Ter acesso à história delas, porém, inspira e mostra a importância justamente de tais elementos basilares para a vida de qualquer pessoa. É lindo ver a "prova" concreta dessa possibilidade.

A secret love

Disponível na Netflix

Foto do João Gabriel Tréz

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