"Não acho justo explicar o que eu quis dizer, para não influenciar a experiência do leitor. Mas sem dúvidas é uma obra sobre pessoas, sobre propósito e sobre porquês, que por acaso se passa em diferentes dimensões toda vez que alguém datilografa um palavrão numa máquina de escrever azul-bebê". É assim que Pedro Duarte, 33, foge de uma das mais capciosas perguntas que podem ser feitas a um escritor: O que sua obra quer dizer?
A obra em questão é "Gastaria Tudo com Pizza", terceiro e mais novo livro do autor baiano. Uma história protagonizada por gente comum, três anônimos na multidão numa busca obstinada pelo extraordinário da vida. Bob, vendedor, que há anos se dedica a criar um portal para outros lugares do universo. Nina, repórter de uma pequena emissora de TV, cada vez mais desanimada com a discrepância entre a carreira sonhada e a real. E Nestor, um escritor incapaz de conter a frustração pela idiotia que julga dominar todos a seu redor - ou, quem sabe, um idiota que só sabe lidar com o fracasso literário culpabilizando os outros.
Há ainda um quarto protagonista, ou talvez antagonista: o Universo, que, entre a indiferença e a irreverência, vai aproximar e mudar a vida do trio a partir do momento em que Bob fizer dar certo seu portal, instalado numa inocente máquina de escrever hipster.
Como se nota, "Gastaria Tudo com Pizza" é um romance de ficção científica. A associação à série literária "O Guia do Mochileiro das Galáxias", do escritor inglês Douglas Adams, acaba sendo rápida e costumeira, coisa que Duarte não nega, nem com a qual se incomode. "Do que li de Douglas Adams, acho que fui mais influenciado por seus livros sobre (o detetive) Dirk Gently", comenta. "Mas em meu romance também percebo influências de J. D. Salinger ("O Apanhador no Campo de Centeio"), Jonathan Swift ("As Viagens de Gulliver"), Campos de Carvalho ("A lua vem da Ásia"), bem como de "Futurama" e de "Rick & Morty", animações nonsense que adoro", lista o escritor em entrevista ao O POVO, por telefone.
O leitor mais afeito à arte nacional talvez encontre em "Gastaria Tudo com Pizza" ecos de cronistas da brasilidade de diversas gerações, de Millôr Fernandes e Luis Fernando Veríssimo a Choque de Cultura e Porta dos Fundos. Isso porque o romance é uma perfeita comédia de costumes à brasileira, especialmente nas cenas passadas no Restaurante do Waldir, uma birosca 24 horas, daquelas que salvam a noite. "O humor é observacional", explica Duarte, que, além de escritor é jornalista e coapresentador do podcast "This is Brazil", no qual disseca áudios de WhatsApp que simbolizam estereótipos do brasileiro. "Só consigo fazer humor das coisas que vejo. Do que noto na sociedade".
É uma constatação importante, sobretudo para quem decidiu fazer ficção científica, gênero que historicamente foi visto como alheio ou marginal ao campo literário do País. Duarte, nesse contexto, demonstra que obra e autor se conectam intrinsecamente, até porque, "se o autor não coloca nada dele na obra, ela fica sem alma", enfatiza. "Não são só as piadas e o tema que vão gerar identificação", antecipa o escritor. "Ela também surge da percepção de que há uma pessoa por trás do livro. Por isso mesmo tudo o que está em 'Gastaria tudo com Pizza' tem um pouco da minha história de vida".
Nascido e residente em Salvador, com breve passagem por São Paulo, Pedro Duarte escreve desde pequeno, e a paixão por contar histórias o levou ao jornalismo e, paralelamente, à literatura. Suas duas primeiras publicações, um romance infantojuvenil e um livro de tirinhas, apresentam o carismático e acelerado Tony Moon - que, reparando bem, tem penteado e guarda-roupa iguais aos de seu criador. "Gastaria Tudo com Pizza", que começou a ser escrito como passatempo de avião e que foi concluído graças ao estímulo do grunge, do jazz e de Bach, é o primeiro trabalho para o público de todas as idades. Segundo o autor, com poucos meses desde o lançamento, o livro tem lhe trazido comentários cativantes. "Algumas pessoas relatam que riram bastante e tiveram um momento de escapismo. Outras analisam as camadas da obra, discutem as mensagens que encontram, algumas que eu escolhi escrever e outras que eu nem sabia que estavam lá!".
Em tempos de pandemia, é impossível não arriscar a sorte e perguntar ao escritor onde é possível encontrar uma máquina de escrever azul-bebê que nos leve para bem longe do aqui e do agora. Outra pergunta capciosa. Mas dessa vez ele não hesita: "A melhor maneira de fugir desse momento terrível que estamos vivendo é ler e assistir a filmes e séries. A arte é a nossa máquina de viajar no espaço-tempo".
Gastaria tudo com pizza
De Pedro Duarte
Editora Pipoca & Nanquim
224 páginas
Preço médio: R$ 47,40