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Evaldo da Portela
Vida & Arte

Evaldo da Portela

Jornalista e músico Felipe Araújo fala da parceria entre Evaldo Gouveia e Jair Amorim, que rendeu o título de melhor samba enredo para a azul e branco em 1974
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A história da música popular no Brasil, em particular do samba, pode ser contada através da trajetória de algumas de suas mais célebres duplas de compositores: Noel Rosa e Vadico, Bide e Marçal, João Bosco e Aldir, Wilson Moreira e Nei Lopes, João Nogueira e Paulo César Pinheiro, Dona Ivone e Delcio Carvalho, Pedro Caetano e Claudionor Cruz. Embora tenha resultado em composições dos mais diversos gêneros (baião, bolero, samba-canção), a colaboração entre o cearense Evaldo Gouveia e o capixaba Jair Amorim também foi uma dessas parcerias paradigmáticas da nossa melhor tradição sambista.

Antes das músicas com Jair, Evaldo, que desembarcara no Rio de Janeiro nas asas do sucesso do Trio Nagô no início dos anos 50, já havia assinado alguns sambas fazendo parelha com gente de peso como Pedro Caetano (“Eu e deus”) e Antonio Maria ("Canção para ninar gente grande”). Mas foi na tabelinha com o letrista que conheceria em 1958, na sede da União Brasileira de Compositores (UBC), que o violonista e cantor cearense encontraria a mais justa adequação para suas melodias - e com a qual alcançaria a maior repercussão.

Já no mesmo dia em que se conheceram, Evaldo e Jair compuseram a primeira música, "Conversa", que ganharia registro de Alaíde Costa. A partir daí foram inúmeros golaços. Só para ficar entre os sambas, é possível citar “Maldade”, “Nosso cantinho”, “Garota moderna”, “Faz de conta” e “O conde”. Esse último fez grande sucesso na voz de Jair Rodrigues em 1969. A música, que citava a Portela - “Bem melhor do que ela / É sair na portela / E um samba de enredo / No asfalto cantar” -, acabou abrindo as portas da concorrida ala de compositores da escola para a dupla.

Em 1973, com “Terra azul”, Evaldo e Jair fazem sua primeira participação na disputa interna da escola para a escolha do samba de enredo que iria para a avenida. O belíssimo samba da dupla não venceu - “Vou me embora pra Pasárgada / Levo as pastoras / Levo o tamborim / Levo a portela só pra mim / De azul e branco / A terra azul deve ser mais azul” -, mas ganhou gravação de Jair Rodrigues. No ano seguinte, entretanto, a história seria diferente. Em parceria com o compositor Velha, a dupla venceria a disputa para o samba que iria homenagear Pixinguinha.

“O mundo melhor de Pixinguinha” acabou explodindo, tornando-se não apenas um sucesso naquele ano - a Portela acabaria o carnaval em segundo lugar, perdendo para o impecável Salgueiro do então iniciante Joãozinho Trinta -, mas virou também um clássico do gênero. O ingresso de Evaldo e Jair na ala de compositores e a vitória na disputa interna, entretanto, acabaram por criar um cisma entre os baluartes da escola. Nomes como Zé Ketti pediram afastamento definitivo da escola e outros, como Candeia e Paulinho da Viola, deixaram de comparecer à quadra, em protesto pelo que seria uma guinada comercial da direção portelense em desfavor de seus compositores tradicionais.

Não foi o primeiro nem o último episódio de brigas e dissidências dentro da vitoriosa história da Portela. A dupla venceria novamente a disputa interna da escola em 1978, com o enredo “Mulher à brasileira”. Alguns anos depois, Jair e Evaldo compuseram “Perdão, Portela”, em que pediam desculpas à comunidade, mas também davam uma alfinetada nos desafetos de plantão: “Me perdoa Portela querida / se um dia na vida tentei te exaltar / se meu samba sem nada de novo / na rua esse povo, botou pra cantar / me perdoa eu não ter as raízes / raízes que dizem que devo portar….”

Esses dois sambas vencedores - e mais outras tantas músicas assinadas pela dupla - foram registrados na coletânea "O Trovador" (2010), que teve produção musical do cearense Pantico Rocha e reuniu inúmeros medalhões da música brasileira num belo tributo a Evaldo Gouveia. Foi uma homenagem justa e que reafirmou a grandeza da obra de um compositor que, independente de raízes, soube tornar universais e eternas suas canções.

Felipe Araújo é jornalista e músico

 

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