A obra mais conhecida de Maquiavel (1469-1527), "O Príncipe", escrita em 1513, mas publicada somente cinco anos depois de sua morte, em 1532, deu ao próprio Maquiavel uma imagem repulsiva, a fama de maquiavélico, de maquiavelismo, no sentido da encarnação do mal, da trapaça, um significado bastante negativo, que não condiz, absolutamente, com a grandeza de seu pensamento. Embora essas expressões pejorativas sobrevivam ainda hoje, o pensamento de Maquiavel não deixa de ser considerado universal e de suma importância para se compreender o significado específico da política na modernidade e na atualidade.
Com Maquiavel começa uma nova fase para o pensamento político, ou seja, a política ganha um outro conteúdo, o realismo político, pois ele rejeita a tradição idealista e cristã, de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, e separa a política da ética e da religião. Trata-se de um novo modo de pensar e fazer política. Para ele, a política real deve ser vista não a partir do moralismo, nem do religioso, mas a partir dela mesma, tal como ela é, ou seja, que ela deve ser considerada não como gostaríamos que ela fosse, como deveria ser, no reino do dever ser, mas como ela é, no reino do ser, da realidade concreta.
Maquiavel põe como tarefa sua falar do poder político (do Estado), não do melhor poder, do poder ideal, utópico, que ainda não existiu, mas do poder real, localizado num espaço e num tempo determinados. Como é possível, no meio da instabilidade e do caos, instaurar um poder estável? Maquiavel nega uma estabilidade natural, predestinada, ou casual, do poder, pois, para ele, tal estabilidade é resultado da ação humana, da política, para evitar a desorganização, a desordem. Uma vez obtida a estabilidade do poder, ela não é definitiva, mas sempre ameaçada a desfazer-se. Assim também se constitui o campo da política real, imersa na incerteza, em que nada é seguro, permanente, estável.
Daí, a política tem a ver, para Maquiavel, com a disputa não só pela conquista, mas também, e principalmente, pela manutenção do poder. E, para adquirir e conservar o poder, o Príncipe (o Governante) deve usar todos os meios. O ideal para um Príncipe é, como ensina Maquiavel, que ele seja ao mesmo tempo amado e temido. Mas, na impossibilidade de ser as duas coisas simultaneamente, é preferível que ele seja mais temido do que amado. Isto não quer dizer que o Príncipe deva ser detestado pelo povo, pois um Príncipe odiado será, em algum momento, arruinado. Ao passo que não existe nada mais poderoso do que um Príncipe adorado.
Para Maquiavel, o Príncipe precisa ter ao mesmo tempo fortuna, no sentido de ter as circunstâncias favoráveis a si, e virtude, não do ponto de vista religioso, nem moral, mas enquanto capacidade para interferir e dominar as circunstâncias, para conquistar e manter o poder. Assim, o Príncipe não é aquele que faz uso só da força, da violência (como o leão), mas aquele que possui também esperteza, mais astúcia (como a raposa), para se manter no poder. O Príncipe não pode, no entanto, deixar de cometer atos cruéis, desonestos e desumanos, pois isto pode ser necessário para a manutenção do poder.
Com sua obra "O Príncipe", Maquiavel, disfarçando - diz Rousseau - dar lições aos reis, deu, na verdade, grandes lições ao povo sobre o que é política e como funciona o poder na realidade, alertando os dominados contra os governantes autoritários.
Eduardo Chagas é professor do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC)