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A caso da estátua da Rendeira perdida na visão do professor Gilmar de Carvalho
Vida & Arte

A caso da estátua da Rendeira perdida na visão do professor Gilmar de Carvalho

Professor e pesquisador Gilmar de Carvalho recupera o caso da Rendeira destruída para nos lembrar da (des)memória da Cidade
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Nunca a arte imitou a vida com tanta verossimilhança. A rendeira esquartejada da Praça do Carmo, jazia em meio a um coro de lamentações dos que amam a arte, a memória e a Cidade. Dava dó ver a foto.

Este caso inexplicável envolvia o Banco do Brasil. Logo o Banco do Brasil! Difícil de entender, mesmo por quem defende, com unhas e dentes, a não privatização de um dos nossos bancos sociais (o outro é a Caixa).

A surpresa veio do fato do Banco do Brasil ter quatro grandes e respeitáveis centros culturais. Deveria estar afeito às questões estéticas. Da mesma forma como tem um protocolo para as grandes exposições, o seguro das obras, a padronização da papelaria, e o layout dos espaços.

Qualquer pessoa com o mínimo de noção saberia que não se vandaliza uma escultura sobrevivente, em um espaço de poucas árvores, e, menos ainda, obras de arte.

Esta rendeira completaria 54 anos de muito sol, pouca chuva, e visibilidade comprometida, espremida entre um edifício feio, na esquina de duas vias que as pessoas atravessam ou cruzam com muita pressa.

Aliás, a notícia do O POVO dizia tudo: obra de fachada. Era o que o Banco do Brasil estava a fazer na agência da Praça do Carmo. Deu no que deu. Podemos pensar em um final feliz. Secult e Secultfor não deixaram passar em branco. Apareceu uma figura chapliniana, de bicicleta, que foi buscar uma kombi e levou a "Rendeira" para uma improvisada UPA em sua casa no Benfica. O restauro será feito pelo Liceu de Artes e Ofícios Não fosse o professor Viana, os destroços estariam no aterro sanitário.

Dá para ficar com esperança de dias melhores para nossa escultura. Agora, os que não prestavam atenção a ela irão visitá-la. Ela vai servir de cenário para selfies e muitos registros, depois de restaurada.

O escultor pernambucano José Corbiniano Lins (1924/ 2018), ligado aos modernistas do seu Estado, foi convidado pela Prefeitura de Fortaleza (gestão Murilo Borges, 1963/ 1966), para duas esculturas em espaços públicos.

Uma delas homenageava o centenário de publicação de "Iracema", em 1965, e foi colocada em um canteiro da avenida Beira Mar. "Os Vaqueiros" foi instalada na praça em frente ao aeroporto velho, na Vila União, também em 1965.

Importante a Cidade ter ganhado duas esculturas. Não seria mais democrático realizar um concurso público? Curioso se falar em democracia em tempos de ditadura. Castelo Branco prestigiou a inauguração da Iracema.

Não foi explicado na "Cronologia" do Nirez ou nos jornais que envelhecem nas hemerotecas o porquê de uma terceira escultura, a "Rendeira", levada para o centro da Cidade.

Corbiniano e Zenon Barreto, pai tardio de uma elegante, forte e poética "Iracema Guardiã", andaram polemizando. Não deve ter adiantado muita coisa.

A "Rendeira" nunca foi assim uma escultura ambiciosa, que chamasse atenção ou ocupasse bem o espaço. Zenon fez uma rendeira, mais estilizada e marcante, que integra o acervo do Palácio da Abolição. Mas daí a aplaudir o vandalismo ou justificar a violência da agressão que ela sofreu, vai uma distância imensa.

Sérvulo Esmeraldo nos deixou um legado de esculturas importantes, mas chegou aqui no começo dos anos 1980. É um outro capítulo dessa mesma história da arte cearense, escrita a várias mãos.

Veja casos de perdidos e achados envolvendo arte em Fortaleza

- Painéis de Ramos Cotôco sumiram do edifício Vicentino, à Praça do Coração de Jesus, e de várias casas demolidas no centro da cidade. O registro solo que restou, a Nossa Senhora do Carmo, do teto desta igreja, foi ameaçada de ser retirada para a colocação de uma nova, nos anos 1990.


-Estrigas chamava a atenção para um painel de Gerson Faria (falecido em 1940) no subsolo do altar mor da Igreja dos Remédios. Fui lá algumas vezes e ouvi de um padre com forte sotaque alemão, que não existia mais. Conheci o Padre Sílvio, que mandou colocar uma escada, pude descer, e ver o trabalho, também merecedor de restauro. Era um lugar para reflexão sobre o sofrimento de Cristo ( e não uma Via Crucis), que perdeu o acesso, depois da mudança do lay-out do altar, sugerido pelo Concílio Vaticano II, na primeira metade dos anos 1960.


- Em 1974, uma rede de supermercados adquiriu a quadra da Santos Dumont (entre Carlos Vasconcelos e Monsenhor Bruno), onde ficava o Castelo do Plácido. Foi destruído. No local, foi construída a CEART.
- Sérvulo Esmeraldo propôs a Dom Lorscheider uma cruz de aço, suspensa sobre o altar-mor da Catedral. A obra foi inaugurada, e depois da saída do Cardeal, removida para um terreno baldio na Rua Rufino de Alencar. Colocada à frente da Igreja do Menino Deus, em Sobral, foi retirada pelo IPHAN, pois não estava lá quando o conjunto foi tombado.


-Zenon Barreto criou uma Yemanjá para a Praia do Futuro, nos anos 1970. Esquecimento ou preconceito em relação às religiões africanas?


-Onde foi parar o acervo de arte do Banco do Estado do Ceará (BEC), incorporado pelo Bradesco? O que foi feito do acervo da Pinacoteca do Estado, que funcionou, nos anos 1960, na Rua Solon Pinheiro, ao lado do Parque das Crianças?

Gilmar de Carvalho é jornalista

 

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