Naquela noite de 21 de junho de 2018, abertura do Festival Vida&Arte e lançamento do Anuário do Ceará, no Centro de Eventos, em Fortaleza, minha missão estava concluída após um rápido discurso. Podia ter deixado a coxia e seguido para o auditório. Mas que culpa tenho eu? Ali estava gente como Elza Soares, Renato Aragão, Fausto Nilo, Paulo Bonavides e Evaldo Gouveia.
Iriam receber um troféu. A meia volta foi dada. Por que voltaste aqui? Dali em diante, e até acabar o longo cerimonial, minha noite foi dividir o espaço com aquele time. Calado, perto, mas só olhando as cenas. Jornalistas por vezes são contidos.
Evaldo todo de roupa vermelha, em cadeira de rodas, olhar distante, saúde debilitada, mas aberto a seguidas expressões de carinho. Aqueles cinco, cada um do seu modo, têm uma eternidade garantida. Alguém duvida? Eu não. Acabei cedendo e pedi uma fotografia.
Evaldo inspira em quem o admira aquele sentimento de orgulho quando se ouve alguém a cantarolar suas músicas. "Essa é do Evaldo. Cearense, sabia?". Sim, também somos bairristas. Fazemos o mesmo com Fausto. Os compositores carregam esta discrição involuntária. Diferente dos cantores. Fagner, Belchior e Ednardo já estão lá no palco.
Sua música tem uma verdade própria daquelas que não são fabricadas para ser sucesso, mas se tornam. Um dos primeiros hitmakers do Brasil? Sim, mas uma fabricação artesanal. Com esmero, sentimento. Versos de rapaz. Seja em forma de bolero, samba-canção, samba enredo, fado, tango...para Tereza ou quem chegar. Há ali o que a alma fareja. Desconfio que tanta gente hoje goste de tanta música ruim porque não provou um sabor igual. Acontece com café, acontece com vinho, com cigarro, chocolate e versos. Com todos os vícios. Todos.
O Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira exibe esta semana no ranking dos verbetes mais visitados Evaldo em terceiro lugar. No Top 10, figuram ainda Hermeto Pascoal, Aldir Blanc, Noel Rosa, Luiz Gonzaga e Trio Nagô. Uma parada dos sonhos. Vício dos bons.
Evaldo e Jair Amorim, o seu parceiro maior na playlist de seus clássicos populares, formam do jeito deles aquilo que Vítor Martins foi com Ivan Lins, Cazuza e Frejat, Erasmo com Roberto, Aldir e João Bosco, Brant e Milton, Rita e Roberto, Toquinho e Vinícius, Raul e Paulo Coelho, Gonzaga e Humberto... chega. Não dá vontade de parar.
Para sempre, haverá uma mocidade vindo na parede a dizer de Evaldo a cada sucesso dos tantos compostos por ele. E sempre será hora de lembrar.
Jocélio Leal é jornalista do O POVO