Um ano antes, em pleno Salão de Milão, veio o "estalo": "Como pode ser um futuro onde peças de design, que compõem o mundo a nossa volta, seja criado por I.A (referia-se, pela sigla, à Inteligência Artificial)?" A pergunta acendeu algo em Pedro, que costuma, todos os anos, participar da mostra: "De lá, vinha minha vontade de um contraponto a essa realidade", e assim o fez. Criou a Rendas, quarta coleção da A Lot of Brasil (indústria que ele mesmo fundou, em 2012). "A vontade de criar uma coleção em torno de uma malha, mas não da malha tecnológica, da Matrix, mas sim da malha oriunda do tear, do fazer manual", explica o designer, há 20 anos um dos mais conceituados mundo afora. E de mundo, Pedro, o Franco, que já esteve em 35 diferentes cidades brasileiras, entende bem.
Em cada novo trabalho, é conhecido por dar lugar a um dos Bra "sis". A tradução é de diversas formas, adquirindo, às vezes, silhuetas improváveis, como a cadeira esqueleto que o consagrou internacionalmente, antes da Orbital, desenvolvida em 2000. Pedro ousa porque sabe que design é mais: "Pode e deve ser uma plataforma", na visão do criativo, que inclui clássicos de seu repertório, como a esqueleto, no conjunto de peças inspiradas, desta vez, com destaque, na Bahia. É deste pedacinho do "morar de dentro" que ele aflora: "Em tempo de tanta produção pasteurizada, não basta criar produtos para atender função de uso. Eles devem ter um propósito, e devem ser repletos de valores humanos: arquétipos, semióticos".
A apresentação, se não fosse relacionada à de número quatro, já seria um resumo das próximas, mas, por que se "uma coleção vai se fazendo, ganhando vida própria"? Quem ensina é Pedro, viajante das multiculturas, sendo de todas, no tempo certo, ao mesmo tempo. Por isso, sem pressa, aguarda. E observa. Tem um momento do grande mote: "Aquele que dá vida a toda uma coleção". Segundo o designer, para a Rendas: "Em Salvador durante a Flipelô".
"Por lá, pude assistir uma missa católica na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cuja qual, tinha santos negros, trechos de Candomblé. Esse sincretismo religioso, na mais antiga Capital do País, onde há uma inúmera diversidade me contaminou", comenta dentre mais inspirações, quando, por um habitante local, "catalogou" algumas das tipologias banhadas posteriormente em metal servindo de destaque às peças da nova coleção; Pedro também fez suas próprias, utilizando-se de releituras. "Coleciono artesanais em geral e rendas, tenho as mais diversas das mais diversas regiões", sempre quis eternizá-las. "Era um sonho pois algumas não existem mais", justifica.
Ligação cearense
Uma das rendas autorais, assinadas por Pedro Franco, mistura bilro, que encontrou primeiramente no Ceará. "Talvez meu amor pelas rendas veio ao visitar as rendeiras de bilro, que ficam num casarão delicioso, histórico no Santana do Cariri", conta. Antes de lançar a Rendas, em 2017, projetou a Cariri, dando início às coleções A Lot of Brasil. "Acho o povo cearense, em geral, um povo de muita cultura. De muita valorização local e sintonizado com o global. Talvez daí nasça minha identificação. Também me vejo assim", diz-se, de Fortaleza, "habiteuê".
Nesta atual, Pedro repete parceria com a pedreira de Granus. "Por lá também me deparei com material muito Glo-cal". Ele fala das pedras Perla Santana, "uma linda pedra pérola", que, segundo o expert em desvendar - e valorizar - belezas, só se tem ali próximo, em Caucaia. "Essas pedras são utilizadas em diversos produtos da coleção. Mas com um fator a mais. Com David (Silveira) desenvolvemos processo de usinagem de minha renda autoral, nas pedras. Um processo inédito em todo o mundo", certifica sobre a novidade agora parte da Rendas. Possível detalhar na mesa de jantar Flafla (em homenagem à esposa).
"Quando exploro minhas histórias (que são únicas) minhas raízes (que são únicas) devo por certo criar produtos únicos. E desta forma há além de uma melhor competitividade global, um algo a mais no consumo", propõe Pedro, com uma coleção maior, para a casa inteira.
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(E em revendedoras exclusivas da marca)
"Mais do que nunca ser global será ser local", diz Pedro Franco sobre o design pós-pandemia; leia entrevista
O POVO: Nas redes sociais com seu trabalho, um termo que chama atenção é o de "glocalidade". Como você o define e o atualiza ao Design, a partir da linha Rendas?
Pedro Franco: Na verdade esse não é um processo novo. Surge de grandes pensadores de outrora (os quais tenho como livro de cabeceira) o pensador austríaco Victor Papanek (que escreveu Design por um mundo melhor) e o geógrafo brasileiro Milton Santos. Ambos criticavam a sua maneira o processo de globalização. Desde a exposição que organizei e fui curador , realizada em Milão em 2009, chamada Brasil é cosi, exploro o tema. Não acredito em um mundo de pensamento pasteurizado, uniforme com criações únicas. Aprecio o fato do mundo não ter mais esquinas. Porém questiono essa produção uniforme, seja no sentido de fabricação, seja no sentido intelectual. A meu ver pesquisas não devem ser feitas no Google, lá encontraremos o senso comum, pasteurizado. Não gosto do principio da produção sem alma, em grande quantidade feita a partir de pesquisas de mercado. Acredito em ser local para ser global. Quando exploro minhas histórias (que são únicas) minhas raízes (que são únicas) devo por certo criar produtos únicos. E desta forma há além de uma melhor competitividade global, um algo a mais no consumo. Quero comprar produto chinês desde que traga seus valores culturais e milenares; quero consumir produtos italianos desde que traga os valores do made in Italy; da mesma maneira quero produzir produtos que enalteçam meu entorno, e exatamente por isso; me torna interessante a um mundo global. Se isso fosse seguido à risca, não teríamos uma melhor distribuição de produção industrial no mundo? Não teríamos um melhor equilíbrio global? A cadeira esqueleto mostrou que essa Utopia é possível. A partir de pesquisas de materiais; produzimos uma cadeira com resíduo de frutos brasileiros mesclados a plástico reciclado. Uma cadeira injetada a partir de sementes ( ou de açaí, ou de acerola, etc). Este fato a transformou em um dos produtos de alto design mais exportados do país e a levou a figurar o Museu Vitra Schadeupot, em função de uma nova matéria prima. Porém esse ser global, gosto de ir além. Apresentar por exemplo uma coleção chamada Cariri, cujas paredes trazem a iconografia do cariri, e o catálogo e registro dos designers ser feito por artesãos locais com técnicas locais. Esse “ser local” leva o design a outra experiência.
OP: Sua primeira peça, Orbital, foi desenvolvida em 2000. O que mais o marcou na época desta primeira conquista que o acompanha até hoje?
Pedro: Esse foi um ponto fundamental em minha auto estima criativa. Não tinha recursos, tampouco uma fábrica para produzir minha peça. Porem ali, provei para mim mesmo que ser criativo vai além disso. Podemos ser criativos com “nada”. Com o que temos em nosso entorno. Mas sobretudo fortaleceu minha vontade de produzir um design verdadeiramente brasileiro livre de influências internacionais. Esta é a linha de convergência entre la e cá.
OP: Também fazem duas décadas que foi exibida, pela primeira vez, na Feira de Milão. Como um nome já consolidado - atualmente responsável pela parte brasileira da feira -, qual sua análise sobre o design brasileiro ao longo desse tempo?
Pedro: O design brasileiro vêm amadurecendo a passos largos. Ter uma peça de design deixou de ser um adjetivo para indústrias e virou parte da estratégia. Talvez exatamente pela competitividade e pasteurização global (ironia); fortaleceu-se a necessidade de produtos assinados. Acho que falta ainda um maior comprometimento entre o designer e a indústria. Um compromisso no desenvolver um produto, sem pressa e com mais constâncias. Nessa euforia das indústria precisarem designers; vejo alguns colaborando com 10, 15, 20 empresas. Gosto de "palavrasear" um dos maiores designers do século, Vico Magistreti que dizia “o design é como uma relação de amor, são necessários duas almas, do designer e da indústria”. O desenvolvimento e ajustes de um produto leva anos... esse timing é necessário. Produtos podem e devem ser revisitados. A cadeira Esqueleto já teve umas três alterações em oito anos que está em linha. Daí a necessidade de comprometimento de uma parte com a outra. De minha parte, como A Lot of Brasil, jamais convido designers que trabalhem com muitas indústrias. E procuro fazer o mesmo. Seleciono a dedo, as industrias com as quais trabalho. Em geral tornam-se casamentos de longos anos. Acho que esse amadurecimento entre as partes será o próximo (necessário) passo. Mas faz parte, o design italiano se tornou o que é, no decorrer de 100 anos. A parte isso, estou iniciando uma busca por novos nomes do design, que efetivamente representem a diversidade da cultura brasileira. Um designer cearense, um baiano, um manauara, um paraense. Acho que esta diversidade brasileira é o que temos de melhor. Não há mais um único polo de designers, design. Tampouco essa representação deve ser igual. No que tange costumes, e no que tange matérias. As matérias primas do Brasil são lindas. Por isso , eu particularmente não gosto de sermos associados exclusivamente a madeira. São lindas, mas e o resto? E a pesquisa de novos materiais sustentáveis. Ela já acontece na moda, nos cosméticos. Brands internacionais vêm por aqui desenvolver produtos com novos materiais. Quase 70% das espécies da Floresta Amazônica são ainda desconhecidos. Estou em busca por novos talentos que explorem suas próprias culturas. No que tange a iconografia e a matéria prima local.
OP: Em um período que afeta a todos os setores como este que estamos passando agora, de forma global, quais os desafios aos próximos anos? É possível inserir-se neste contexto e refletir?
Pedro: Acredito que o mundo terá a inclinação de se fechar. Cada pátria irá valorizar sua produção interna como estratégia. Mais do que nunca ser global será ser local. Matérias primas únicas, e uma identidade e historia única, serão elementos fundamentais para justificar exportação. A parte isso, acredito muito nesse manifesto. Juntar a tecnologia ao fazer manual. Essa necessidade deve sobressair-se ao processo de robotização. Outro dia estive em uma indústria fornecedora; o proprietário vangloriava-se por duas dezenas de robôs ali parados e que em breve culminariam na dispensa de 200 funcionários. Será essa uma solução? Será que o foco do futuro não deve ser pessoas ao invés de única e exclusivamente o lucro?
OP: A Pufe Orbital ganhou capa de livro também há 20 anos. Quais suas impressões hoje sobre este marco em sua carreira?
Pedro: Acho que foi um grande feito. Naquele momento o pais não estava no mapa global do design. Tive a sorte de ganhar um concurso nacional , que chamava-se brasil faz design. Que levou meu produto para Milão. Por lá, na exposição, em outro golpe de sorte cai nas graças de um grande curador de design italiano, chamado Vanni Pasca. Além de me por na capa de um livro de tendências, me convidou na sequencia para Exposição Abitare il tempo. (Verona). Por lá conheci grandes nomes do design como da italiana Paola Antonelli (curadora do Moma) Giulio Capellini. Naquele momento as portas do design se abriram para meu trabalho.
OP: Lançado em 2010, outro que faz aniversário é o Sofá Antropófago. O que lhe impulsiona ao desenvolvimento de produto? O que move você durante os momentos criativos?
Pedro: Este sofá, era ladeado pelo Sofá Primavera e Poltrona Favo. Lá já existia o sonho de juntar indústria x artesão. O design era uma plataforma de afazeres artesanais brasileiros. O Antropófago, criado a partir da técnica do nozinho (aquela técnica de feitio de tapetinhos) e o Primavera de fuxico (flores de bolsas, etc). Desde sempre busco transmitir em meu trabalho a brasilidade. Se em peças da 1ª etapa se caracterizavam por uso de matérias primas: como a Poltrona Orbital (câmeras de ar) e a espreguiçadeira macunaima (látex seringueira). Na 2ª etapa, passou a ser representa na ressignificação de técnicas artesanais (Antropófago e Primavera). Já em uma 3ª etapa passou pele termo que criei da brasilidade industrial, representada pelo uso de matérias primas sustentáveis e tecnológicas, como a Cadeira Esqueleto. E por fim, a 4ª etapa, transpassando o limite da peça, e chegando a uma atmosfera repleta de brasilidade. A Brasilidade, é o que rege minha criatividade. O Olhar para dentro. P.S.: O Antropófago, foi chamado pela grande mídia internacional de Dreadlok seating. (Risos).
OP: Do início da carreira, marcada pela Orbital, passando pelo termo de sua autoria "Brasilidade industrial", que perpassa alma brasileira nos projetos, até a icônica cadeira esqueleto, qual seu maior ensinamento até aqui, à frente pelo design?
Pedro: Tenho muito respeito pela plataforma design. É uma engrenagem maior . Ele nos rodeia e materializa o que somos, o que nos tornamos. O design pode deixar o mundo mais belo. Um.