Thomas More, ou, em latim, Morus (1478-1535), um dos grandes representantes do Renascimento (séc. XIV-XVI) e do Humanismo Cristão (séc. XVI), "o padroeiro dos políticos e dos governantes", criou o termo utopia, após ler as narrações de Américo Vespúcio sobre a Ilha Fernando de Noronha, tida como um local que ainda "não existia". É nesse sentido que a obra principal de Morus, que o tornou imortal, chama-se "A Utopia" (1516).
A palavra "Utopia" foi cunhada por Morus a partir de dois termos gregos, "U", que quer dizer não, "Topos", que significa lugar. Juntando, temos "o não-lugar", o que ainda não está "em lugar nenhum". Mas, o que é, afinal, utopia? Utopia não é futurologia, imaginação, fantasia, ou algo impraticável, irrealizável. Utopia não é um mero ideal, mas um ideal que se dirige ao real, que rompe com a continuidade. Utopia não é uma visão abstrata, mas um desacordo com a realidade, ou seja, uma alternativa, um outro modelo de sociedade que se confronta com a sociedade vigente, decadente, injusta e desigual. Utopia não é reforma, mas construção de um mundo novo posto no lugar do mundo velho.
"A Utopia" de Morus apresenta, por um lado, uma negação ao que está aí, isto é, uma crítica à Europa, principalmente à situação social e política da Inglaterra, do século XVI, marcada pela expulsão dos camponeses de suas terras; pelas imensas áreas agrícolas, substituídas pela pastagem; pela corrupção, pela escassez, pela prostituição e miséria. Esse quadro decadente, desigual e injusto da Inglaterra é, por outro lado, negado por Morus e colocado no lugar a sociedade utópica, cuja estrutura é a seguinte: na sociedade utópica, "todos os indivíduos são iguais", não havendo diferenças por posição social. Morus defende, tal como Platão, a negação da propriedade privada e, com isto, a socialização dos bens. Os utopianos devem viver em harmonia com a natureza. E todos têm o necessário, não havendo sentido para a ambição, para o desejo de poder. O dinheiro deve ser também, segundo Morus, abolido, e, com isto, vários males da humanidade são suprimidos, como ambições, furtos, fraudes, desordens, assassinatos. Na sociedade utópica, o trabalho não é esgotante, pois dura somente 6 horas por dia, sendo 3 horas pela manhã e 3 horas à tarde, que são suficientes para suprir as necessidades da sociedade. Depois do trabalho, os utopianos têm tempo livre para o ócio, para o lazer ou para outras atividades de sua preferência. Morus defende que os utopianos são pacifistas e não podem violentar o outro; eles são solidários e evitar o sofrimento. Devem respeitar a diversidade, a liberdade de opinião, ter tolerância religiosa, com liberdade para cultuar Deus de diferentes formas. Nessa sociedade utópica, Morus assegura, por fim, um espaço especial aos literatos, aos que se dedicam aos estudos, à arte, à ciência e à filosofia.
Para Morus, os males da sociedade derivam, em síntese, da corrupção na política e da propriedade privada na economia. Esses males sociais podem ser superados se o homem seguir a razão e as leis elementares da natureza, que estão em harmonia com a razão, e substituí-los pelos princípios ideais da sociedade utópica, baseados na igualdade, na justiça e na comunhão de bens, apresentados por ele nessa sua obra magnífica, "A Utopia".
Eduardo Chagas é professor do Curso de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC)