Janne Ruth, bailarina
Já se passaram 48 anos desde que a bailarina e coreógrafa cearense Janne Ruth pisou no Theatro José de Alencar pela primeira vez. Baiana radicada no Ceará, ela já sonhava com o tablado muito antes de chegar à Fortaleza, em 1966. A expectativa se concretizou em 1972, quando se tornou aluna da quarta turma do Ballet Hugo Bianchi, a mais antiga e tradicional escola de Fortaleza, cujas aulas e ensaios eram realizados no próprio teatro. "É um lugar muito marcante para a minha história com a dança, tenho muitas memórias daquela paredes. Vivi minha vida inteira lá, desde quando comecei como bailarina, depois como mãe, grávida dos meus filhos e ainda nas coxias do palco, produzindo festivais. Isso já como diretora de academia", recorda.
Muitos espetáculos depois, uma cena ainda é guardada com apreço na memória da bailarina: "lembro de entrar naquele teatro lindo, espetacular, fazer minha matrícula naquele teatro em plena ditadura. Me marcou profundamente, era como se eu estivesse entrando no Teatro Municipal do Rio de Janeiro!", revive. O ano seguinte marcou sua estreia no palco em que dançaria diversas vezes nos anos seguintes. Era o espetáculo "O Gato de Botas", ainda como aluna de Hugo Bianchi. A apresentação aconteceu antes da maior reforma do Theatro, ocorrida em 1989. "O teatro era bem diferente do que é hoje, lembro que os camarins eram bem menores", conta.
Anos mais tarde, o palco acolheu o primeiro espetáculo da Escola de Ballet que leva seu nome. Era a apresentação "Orai e Vigiai", em 1991. Mesmo veterana no TJA, a experiência de entrar no Theatro é sempre única. "Já dá um nervosismo só de pensar que vai se apresentar naquele palco. Todo bailarino tem sonho de dançar lá", conta. "O Theatro José de Alencar tem um valor imaterial imenso, é esse lugar de memória do bailarino, das escolas de ballet cearenses, dos grandes e pequenos festivais, dos encontros que a dança proporciona", conclui.
Joca Andrade, ator
O Teatro encontrou Joca Andrade em 1984. Mais de três décadas depois, hoje ele é não só ator, mas também o professor responsável por guiar parte da nova geração do teatro cearense oriunda no Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT) do TJA. "Eu me sinto um privilegiado enquanto pesquisador, estudante e professor de teatro, pois estou num lugar super nobre principalmente pela história que carrega e que atravessa mais de um século", conta.
O ator destaca que, embora o Theatro tenha se voltado para a parcela mais nobre da sociedade na sua fundação, com o passar dos anos o local se tornou um importante centro de formação e pesquisa em artes cênicas do Estado. "Com o trabalho no Centro de Pesquisa em Artes Cênicas, a gente conseguiu acolher a comunidade, experimentar possibilidades, democratizar esse acesso", comenta. Joca é um dos fundadores do Curso de Princípios Básicos de Teatro (CBPT), que completa, em 2021, três décadas de atividades ininterruptas.
"Como espectador, vi muitos cantores, intérpretes, atores e atrizes que me marcaram muito, que englobam muitas linguagens cênicas, como dança, música, teatro. Além disso, como educador é sempre muito emocionante a cada ano assistir aos espetáculos produzidos pelas turmas do curso, é muito marcante ver como ali, no palco, os meus alunos encontram um sentido de ser por meio da arte. Tem um significado muito importante pra vida deles", descreve.
Como ator, uma das lembranças mais marcantes vividas no palco foi o espetáculo "Jacu", trabalho circense que utiliza uma dramaturgia sonora, em que a trilha dá o tom da trama; além de uma elaboração corporal própria. No palco, o palhaço protagonista constrói uma "dança dramática" que reprocessa os elementos índio, ibérico e negro que formaram a civilização brasileira. "O teatro lindo, lotado... A relação desse espetáculo com a plateia foi muito marcante, assumir aquele lugar tão nobre onde tantas pessoas grandiosas passaram foi uma experiência que me deixa muito feliz", celebra. Muito mais porque o Theatro firma simbolicamente para nós um lugar de encontro com o mais ancestral que temos, esse espaço de reflexão da vida, da arte. Ele tem esse papel simbólico para as cidades e a Cidade", conta.
Mauro Coutinho, sonoplasta
A trajetória de vida de Mauro Coutinho, 83, se confunde com a do próprio Theatro José de Alencar. Há mais de seis décadas ele trabalha como sonoplasta no equipamento cultural e coleciona diversas memórias dos laços de amizade que formou ao longo de sua vida profissional, nos corredores do teatro. "Tive o prazer de trabalhar com muitos atores, artistas, pessoas da terra e também nomes nacionais". Entre os trabalhos mais marcantes que fez, existe um que ele lembra com mais carinho: a passagem de Bibi Ferreira pelo palco do TJA. "Foi a primeira vez que a gente fez um trabalho ao vivo unindo a orquestra e a encenação teatral. Foi incrível", conta.
Acostumado a frequentar o local desde os 15 anos, Mauro, ou "Maestro", como é mais conhecido pelos amigos que fez no teatro, relembra com saudosismo os primeiros anos de trabalho no local. "Eu estou muito ligado ao Theatro, me sinto muito bem ao pensar em tudo o que vivi aqui. Fiz muita coisa boa pelo teatro e o teatro fez muita coisa boa por mim", resume. Um dos técnicos de áudio pioneiros no Estado, o trabalho de Mauro só é possível a partir do contato com o diretor de cada peça. "É um trabalho que tem muita sensibilidade envolvida. É quase como se eu fosse arranjador de uma orquestra, que fica ali, nos bastidores, enquanto o espetáculo acontece na parte de cima do palco", resume, sobre seu trabalho.
Em 1953, entrou no TJA e nunca mais o deixou. Um dos mais antigos profissionais ainda em atividade na casa, Mauro se emociona ao descrever a importância que o teatro assume em sua vida. "Na minha vida eu tenho dois amores, a minha família e o Theatro José de Alencar".