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De Caco Ciocler, "Partida" mistura realidade e ficção para retratar o Brasil pós-2018
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

De Caco Ciocler, "Partida" mistura realidade e ficção para retratar o Brasil pós-2018

Viagem de ônibus até o Uruguai é microcosmo político do Brasil proposto pelo longa "Partida", de Caco Ciocler, que mistura ficção e documentário
Tipo Notícia
Foto: divulgação "Partida" tem no diálogo (e sua falta) um tema central. No filme, isso de desenvolve nos debates entre Léo Steinbruch, alinhado à direita, e Georgette Fadel, de esquerda

Da união entre uma brincadeira "meio séria" e uma ideia séria vista como "maluquice", surge "Partida", filme dirigido por Caco Ciocler e protagonizado pela atriz Georgette Fadel. A brincadeira provocativa foi dela, que, no contexto das eleições de 2018, dividiu com os amigos - incluindo Caco - que iria se candidatar à presidência em 2022 em resposta à campanha de Jair Bolsonaro. Já a ideia séria foi dele, que há alguns anos desejava viajar em um Réveillon para o Uruguai a fim de encontrar, de surpresa, o ex-presidente Muijca, mas não encontrava quem topasse a empreitada. Amigos desde os tempos da Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo, a dupla comprou as "loucuras" um do outro e ainda decidiram fazer desse casamento um filme. Assim, deu-se início à "Partida", que - meio documentário, meio ficção - registra a viagem de ônibus que a equipe envolvida no longa fez para o Uruguai no fim de 2018 ao passo em que Georgette constrói, a partir de debates no percurso, uma plataforma de campanha.

Inicialmente, o filme seria concretizado somente com os dois, que iriam para o Uruguai de carro. "Mas a gente começou a bolar se incluiria minha companheira e a dele na viagem. A coisa começou a tomar outras proporções", inicia Georgette. "A gente precisava que o som tivesse bom, aí chamamos o Vasco Pimentel. Precisava de outra câmera pra não ficar tão monótono, aí chamamos a (fotógrafa) Julia Zakia, mas ela só podia ir se fosse com a filha", avança Caco. "Um carro só não dava, então virou dois, três, depois um ônibus. A ideia do filme surgiu da mistura, mas o formato foi surgindo conforme as pessoas foram entrando", resume o diretor.

Além da equipe agregada, outra presença importante é a de Léo Steinbruch, ator e empresário que polariza com as posições de esquerda de Georgette. "A gente começou a precisar de um 'antagonista' pra discussão poder acontecer e aí o Caco conhecia o Léo e achamos que podia dar um caldo maior", conta a atriz. É essa presença que dá espaço para o principal tema do filme: as condições de diálogo entre diferentes. Apresentando-se enquanto documentário, mas recheado de autoficção, o filme busca complexificar essa discussão.

"As pessoas envolvidas são artistas, de alguma maneira a gente acaba atuando e aumentando as cores de um conflito ou outro. Então a gente acaba sendo personagens de nós pra poder gerar um material mais contraditório, ambivalente, interessante", articula Georgette - que chegou a ganhar um prêmio de melhor atriz pelo longa. No entanto, ela reforça: "As opiniões que a gente carrega são pessoais - em nenhum momento eu digo coisas nas quais eu não acredito, ninguém ali diz".

A intenção de nebular a fronteira dos gêneros, explica Caco, sempre existiu e, inclusive, por questões técnicas. "Não tinha a possibilidade de deixar as câmeras ligadas o tempo inteiro. Sempre insisti que, pra qualquer coisa acontecer, não adiantava se as câmeras não tivessem ligadas e eles não tivessem microfonados. Em uma das brigas da Georgette e do Léo, quando começou, as câmeras e microfones não estavam ligados. Falei pra segurar, microfonar, ligar, claquete. Quando finalmente foram brigar, já era uma cena, sabiam que estavam fazendo aquilo para as câmeras, todo mundo era ator, mas sem texto. Era uma 'improvisação calcada' na bagagem individual de cada um. Nesse sentido, o filme é documental porque ele registra o nascimento das ficções", compreende Caco.

A relação entre Léo e Georgette no filme varia entre momentos de debate atento e escuta mútua e, outros, de brigas e acusações. Curiosamente, os dois, conta a atriz, acabaram virando amigos pessoais. A ideia era, justamente, replicar num microcosmo as relações acirradas da época. "Esse filme foi feito em 2018, o País estava totalmente dividido, as pessoas não se ouviam e as famílias todas brigavam pelo WhatApp. Isso não mudou tanto, o que mudou foram as porcentagens. Em 2018, era 50 x 50, mas a violência é a mesma, a falta de escuta é a mesma", avalia Caco. Georgette vai além: "Existe o contexto daquele momento, onde o diálogo já estava muito complicado, existem outros contextos anteriores e existe o contexto de agora, que é praticamente uma guerra", define.

Em determinada cena, a atriz pergunta: "Depois da social-democracia, sempre vem o fascismo?". Questionada sobre o que viria após o fascismo, Georgette brinca, mas fala sério. "A social democracia de novo, pra gente continuar nessa roda (risos). Espero que a história não seja cíclica. Que seja, pelo menos, espiralada para que a gente consiga inventar um sistema político mundial extremamente fraterno, que inclua todas, todos, não só humanos, mas tudo que vive e existe", projeta, ressaltando: "Espero, aguardo e pretendo trabalhar para que a gente construa uma nova coisa. Não a curto ou médio prazo, não sou boba, mas acredito como um futuro distante que está sendo desenhado agora, com essa porrada que a gente tá levando".

Partida

Disponível nas plataformas Now, Vivo Play, Oi Play, Petra Belas Artes à la Carte, Filme Filme e Looke

Foto do João Gabriel Tréz

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