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Sempre cowboy fora da lei, Raul Seixas completaria 75 anos neste domingo, 28
Vida & Arte

Sempre cowboy fora da lei, Raul Seixas completaria 75 anos neste domingo, 28

Pai do Rock Brasileiro, Raul Seixas nasceu na Bahia há 75 anos. Vida&Arte relembra álbuns, parcerias e caráter político da obra do músico que marcou os anos 1970 e 1980
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Livro
Foto: Norma Albano Livro "Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida" (Todavia) traz registros da vida de Raul

Era uma vez um homem e seu tempo: nascido em Salvador no 28 de junho de 1945, Raul Santos Seixas foi uma metamorfose ambulante — foi "a mosca que pousou em sua sopa", "a luz das estrelas", "maluco total"; foi o "cowboy fora da lei" de jaqueta de couro, gel no cabelo, óculos escuros e esse tal de rock'n'roll na cuca mirabolante. O Little Richard soteropolitano cresceu enfurnado em quentes cinemas baianos, assistindo a sessões contínuas de "King Creole" (1958), drama musical estrelado pelo ídolo Elvis Presley. Gola da camisa erguida, aspirante a James Dean do rock, Raul Seixas escutava de Chuck Berry a Luiz Gonzaga e era apaixonado por cinema; esperava acabar fazendo filmes em Hollywood. O cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista, entretanto, firmou no Brasil uma vasta carreira e marcou o cenário artístico do País nos anos 1970.

Conhecido como "Pai do Rock Brasileiro", Raul Seixas lançou 17 discos ao longo de 26 anos de carreira. Seu trabalho de estreia, "Raulzito e os Panteras", é de 1968 — mas foi apenas com "Krig-ha, Bandolo!", de 1973, que recebeu notoriedade crítica e a canção "Ouro de Tolo" conquistou o público. A obra do cantor baiano é ampla, complexa e até mesmo contraditória: álbuns como "Gita" (1974), "Eu nasci há dez mil anos atrás" (1976), "Raul Seixas" (1983), "Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!" (1987) e "A Panela do Diabo" (1989), com forte apelo popular fruto também da experiência como produtor, consolidaram Raul como um dos maiores expoentes da cena musical entre 1970 e 1980. A vibrante miscelânea entre guitarras elétricas e baião, aliás, provoca até hoje o galhofeiro grito "Toca Raul!".

As múltiplas parcerias também se destacam na trajetória musical do cantor. Claudio Roberto, Oscar Rasmussen, Kika Seixas (ex-esposa de Raul), Marcelo Nova, Edy Star e Sérgio Sampaio são alguns dos nomes que costuram o início, o fim e o meio da carreira do músico. A mais conhecida parceria de Raul Seixas, contudo, foi com o escritor Paulo Coelho e a união ainda hoje segue envolta em mistérios. Místico profundamente afetado pelo credo herético do ocultista inglês Aleister Crowley (1875-1947) e leitor do anarquista francês Pierre-Joseph Proudhon, Raul fundou ao lado de Paulo Coelho e Adalgisa Rios o movimento Sociedade Alternativa em 1973. A única lei era "Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei". A censura da ditadura militar logo atingiu o Pai do Rock Brasileiro e o mago carioca — os artistas foram interrogados, presos e torturados. "No governo Geisel levei choque no saco, fui torturado mesmo", relatou Raul. Em 2019, o crítico e biógrafo Jotabê Medeiros lançou a obra Raul Seixas: Não diga que a canção está perdida, onde levanta suspeita sobre a possibilidade de o baiano ter delatado Paulo Coelho às autoridades militares. A hipótese segue sem confirmação conclusiva.

"No terreno da canção popular brasileira nós temos um fenômeno bastante interessante: havia um movimento de caráter político nos anos 1960 com o final da Bossa Nova e ascensão dos festivais de música popular, grandes aglutinadores de jovens compositores como Chico Buarque, Edu Lobo e Geraldo Vandré. Esses festivais foram nichos de resistência política. Ao mesmo tempo, foi surgindo um rock'n' roll de caráter mais ingênuo com o pessoal da Jovem Guarda. Com o recrudescimento e as amarras da censura se fortalecendo cada vez mais e desembocando nos anos 1970, esses compositores com abordagem mais política ficaram amordaçados ou ausentes e ocorreu uma reinvenção do rock'n'roll, um salto estético no qual o rock saiu daquela pegada de balada e passou a uma ordem da agressividade e da denúncia. Tem uma pegada de insatisfação, parece que as questões dos jovens dos anos 1970 que já não eram as mesmas da década anterior", elucida Elvis de Azevedo, professor de Música da Universidade Federal do Ceará. "Nos anos 1970 nós temos Raul Seixas e também Belchior fazendo um rock com esse caráter de dramas existenciais no tecido social já desconfortável do Brasil, falando de uma zona de incômodo. Os anos 1970 nos deixaram a necessidade de dizer alguma coisa, de se rebelar contra as repressões — que prosseguiram e se tornaram mais sofisticadas", complementa.

Marcelo Renegado, músico integrante da banda cearense Renegados, aponta a influência de Raul Seixas na formação de diversos artistas. "Começamos a ouvir os discos em vinil do Raul ainda na época em que éramos crianças e logo nos identificamos. Ficamos fascinados pela irreverência e filosofia abrangente contida em sua postura e sua obra, que falava desde tratados metafísicos e magias até coisas simples do cotidiano… Tudo isso dito com maestria poética, de forma compreensível às pessoas mais simples e ao mesmo tempo sem deixar a dever a nenhum doutor acadêmico. Raul falava com toques de ironia, sarcasmo, bom humor e perspicácia", considera. "Raul fez inúmeras críticas à política tradicional e às deformações sociais em suas músicas e nas falas inconformadas com a mesmice e o senso comum. A arte é política até mesmo quando se coloca como mero 'entretenimento e circo' e esse traço de inquietação e denúncia do status quo sempre foi presente e importante na obra do Raul Seixas", finaliza. "Entrar pra história é com vocês!", cantava Raul. Morto em agosto 1989 vítima de uma parada cardíaca consequente de uma pancreatite aguda agravada pelo alcoolismo e pela diabetes, Raul talvez nem imaginasse que entrar pra história é, sobretudo, com ele.

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