Nascido em 1o. de julho de 1920 em São José do Egito, Pernambuco, Rogaciano Leite não foi Manuel Bandeira, nem Jorge de Lima, muito menos Carlos Drummond de Andrade. Foi como definiu a si mesmo: o trovador sertanejo, da terra onde todas as almas são cantadores.
Em "Aos Críticos", poema escrito no livro "Carne e Alma", de 1950, solicitou: "não espereis obra-prima desde matuto plebeu. Eles cantam suas praias, palácios de porcelana. Eu canto a roça, a cabana, canto o sertão… que ele é meu". O que talvez não tivesse percebido foi que, por levar o Nordeste para sua poesia, consagrou-se com um dos maiores escritores do País.
Filho mais novo de uma família de dez irmãos, Rogaciano Leite se tornou poeta ainda na infância, quando priorizava os versos às obrigações no sítio de seu pai, localizado na região do Vale do Pajeú - a "Terra dos Poetas". Sua vocação seria fortalecida com um ato aventureiro: saiu de casa adolescente para acompanhar a viagem dos cantadores Antonio Marinho, Lourival Batista e Severino Pinto. E assim começou sua trajetória profissional.
Com uma vida quase andarilha, passou por diversas cidades do Nordeste para entoar seus versos. "Rogaciano tinha o intercâmbio cultural como sua missão. O novo e o original lhe atraíam. E ele ia em busca disso, divulgando sua poesia e desafiando outros a cantarem com ele", explica a filha do poeta, Helena Roraima Leite.
Mas, entre os locais que passou, uma cidade chamou sua atenção: Fortaleza. Apaixonado pela estudante Maria José Ramos Cavalcante, os laços de amor e amizade alencarinos seriam os motivos para fincar raízes a 600 quilômetros de sua terra natal.
Na capital cearense, sentiria o que desejou em um de seus poemas: "Mas.. É melhor viver! Eu quero viver muito e amar ainda, quero cantar a vida, com prazer, e quero sempre ter muitas tardes assim, como esta tarde linda!".
Com apenas 25 anos, em 1945, abriu as portas dos principais salões e teatros, como a Casa Juvenal Galeno e o Theatro José de Alencar. Viajou para o interior para realizar recitais em casas de espetáculos. Desafiou o poeta Cego Aderaldo para cantar em Quixadá. Escreveu crônicas para jornais locais. Realizou o Congresso de Cantadores do Nordeste, que teve projeção nacional.
Rogaciano Leite era pernambucano, mas sua trajetória esteve sempre interligada ao Ceará. Seu sentimento pelo lugar era tão intenso que fez homenagens nos poemas "Ceará Selvagem" e "Fortaleza". "Oh! Iracema formosa, deusa da raça praiana, teu colo emprestou perfume as águas de Mecejana! Meruoca ainda delira… Maranguape ainda respira fragrâncias do teu calor!", descreve.
Durante três anos, entre 1952 e 1955, viveu entre Rio de Janeiro e São Paulo, mas logo voltou para Fortaleza para trabalhar no Banco do Nordeste. Pediu licença pouco tempo depois para se dedicar ao jornalismo. Por meio do talento literário e do senso crítico inerente ao trabalho jornalístico, especializou-se em poemas-reportagem. "Depois do sucesso como jornalista e de ganhar três prêmios Esso, ficou conhecido como 'poeta e jornalista Rogaciano Leite'. Mas nunca deixou de ser poeta", evidencia Helena Leite.
Aos 49 anos, quando ainda estava em ativa produção, faleceu em decorrência de um infarto. Para a filha, conhecer o autor é entender a riqueza e a diversidade da poesia. Ele fazia versos de improviso, eruditos e por meio de motes. "Ele levou a poesia para tudo que fez no seu cotidiano. Apresentava-se com versos, saudava em versos, escrevia crônicas e reportagens em versos. Há um mundo de surpresas sobre Rogaciano que muitos desconhecem", afirma.
Para recuperar as memórias do poeta, seus descendentes criaram o perfil no Facebook "Centenário Rogaciano Leite". Além de envolver estudiosos, admiradores e o público, em geral, tem o objetivo de formar uma rede de contatos para reunir informações ainda pouco disseminadas. Também buscam conhecer pessoas que tenham conhecido o autor para entrevistá-las para o documentário "A Trajetória de Rogaciano Leite - O voo do Albatroz", que será realizado pela Sinfonia Filmes.
Outras obras escritas, que ainda não foram publicadas, estão sendo elaboradas. "Cantadores do Nordeste", que traz a história dos maiores violeiros do Brasil, era um projeto já anunciado em "Carne e Alma", mas que não foi divulgado ao público, talvez, segundo Helena Leite, por falta de patrocínio.
O segundo livro é "Pérolas da Amazônia", previsto para publicação até meados de 2021. Com ilustrações e fotos, reúne poemas sobre a Amazônia. Ainda há o projeto de agregar crônicas e reportagens escritas por Rogaciano Leite em uma obra.
"Soneto ao Meu Filho"
"Chama-se: Rogaciano Leite Filho
Tem as minhas feições e a minha pele
Eu quero tanto, tanto bem a ele
Que não sei se sou pai ou se sou filho.
Nunca existiu e nem existe brilho
Que brilhe tanto como os olhos dele.
Neste mundo em que sofro e em que me humilho,
As minhas esperanças estão nele.
Poderá ser um Padre ou um Carpinteiro
Um General, um Músico, um Pedreiro
Qualquer coisa que houver de nobre em si.
Rico ou pobre, o destino não lhe afeta…
Eu só não quero é que êle seja Poeta,
Para nunca sofrer como eu sofri"
(Poema de Rogaciano Leite em homenagem ao filho, Rogaciano Leite Filho. Soneto foi publicado no livro "De Carne e Alma". Assim como o pai, Rogaciano Leite Filho tornou-se escritor e jornalista e também escreveu nas páginas do O POVO)
Rogaciano Leite nas páginas do O POVO
Com mais de nove décadas de história, O POVO cruza sua trajetória com a de Rogaciano Leite. Entre poemas, crônicas e reportagens jornalísticas, o escritor colaborou com o jornal durante 25 anos, de 1944 até pouco antes de falecer, em 1969. Nestas páginas, mostrou a versatilidade poética e textual que carregava em si.
Uma das reportagens assinadas por ele, em 1951, foi sobre a então maior barragem do Brasil, "Curema, um pequeno mar no sertão do Nordeste", localizada na Paraíba.
A divulgação de textos literários em jornais era comum em meados do século XX. Uma das contribuições de Rogaciano Leite foi com o poema "Lá Vem a Jangada", publicado no extinto caderno "Literatura & Arte", em 1956. No texto, o escritor evoca a imagem das típicas jangadas para retratar a pobreza. "É êste o destino dos pobres, dos tristes sem pão, sem saúde, sem roupa e sem lar, que vão para a praia com os olhos compridos para ver a jangada. Quem com ésse peixe voltando do mar".
Uma de suas reportagens marcantes publicadas no O POVO foi uma homenagem aos 93 anos do amigo Cego Aderaldo, um dos patriarcas dos cantadores nordestinos. "Quando esta notícia estiver nas ruas talvez já não viva mais o Homero cearense. Restarão somente seu violão, seus óculos, suas bengalas e seu nome eterno na alma do povo", diz um trecho da matéria de 1967.
Juntos, Rogaciano e Cego Aderaldo tornaram-se companheiros de arte e de vida. Por meio de um primeiro encontro em Quixadá, encantaram o público e a si mesmos. A dupla, que manteria a parceria até os últimos dias de Aderaldo, entoava os versos por onde passava. Foi, inclusive, Rogaciano o responsável por projetar o talento do amigo para o Brasil, no Congresso de Cantadores do Nordeste.
"As autoridades e os homens de letras e as elites do Ceará terão êste encargo de consciência: o de deixarem morrer na solidão e no esquecimento aquele que tanto engrandeceu sua terra e seu povo", declara na reportagem. O poeta e jornalista então explica a situação em que Aderaldo se encontrava, sucumbido em uma rede na sua casa, sem direito a um leito. "Mas não faz mal: a posteridade lhe erguerá uma estátua. Aderaldo é uma relíquia do Brasil", finaliza.
Mais de uma centena de registros textuais do escritor publicados no O POVO foi disponibilizada para a família de Rogaciano Leite. O acervo funcionará como base para projetos futuros de preservação da memória do artista.